Líderes árabes e ocidentais, reunidos em uma "Cúpula da Paz" no Cairo, pediram neste sábado um "cessar-fogo" entre Israel e Hamas, assim como uma entrega de ajuda em larga escala para a Faixa de Gaza e uma "solução" definitiva para conflito israelense-palestino, que já dura 75 anos.
— Devemos agir agora para acabar com o pesadelo — afirmou o secretário-geral da ONU, António Guterres.
O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, foi um dos que discursaram durante a cúpula. Ele condenou os ataques terroristas do Hamas, mas também faz críticas fortes à reação de Israel, dizendo que o país tem responsabilidades pela crise humanitária que assola a região de Gaza. Vieira também criticou a inércia dos organismos internacionais.
— Israel, como potência ocupante, tem responsabilidades específicas no âmbito dos direitos humanos internacionais e do direito humanitário. Estas devem ser cumpridas em qualquer circunstância - afirmou o chanceler brasileiro.
Segundo Vieira, a destruição de infraestrutura civil é "inaceitável". Sem culpar diretamente Israel, o chanceler fez referência à destruição de um hospital que deixou centenas de mortos em Gaza.
— A destruição de infraestruturas civis, incluindo instalações de saúde, é inaceitável. Testemunhamos com consternação o bombardeamento do Hospital Árabe al-Ahli, lamentamos profundamente e lamentamos as centenas de vítimas civis, incluindo pacientes, médicos, enfermeiros e outros trabalhadores humanitários. Todas as partes devem proteger plenamente os civis e respeitar o direito internacional e o direito humanitário internacional — disse.
Mais de 1.400 pessoas morreram no ataque sem precedentes do Hamas contra Israel executado em 7 de outubro, segundo as autoridades israelenses. Mais de 200 pessoas continuam sequestradas pelo grupo islamista palestino. Quase 4.400 palestinos morreram na Faixa de Gaza nos bombardeios diários israelenses em represália, segundo o Ministério da Saúde do Hamas, que governa o enclave.
A Faixa de Gaza, que está sob cerco total de Israel, precisa de "uma entrega massiva de ajuda", acrescentou Guterres, depois que 20 caminhões com assistência entraram no território palestino procedentes do Egito neste sábado.
A ONU calcula que são necessários ao menos 100 caminhões diários para ajudar os 2,4 milhões de moradores de Gaza, que enfrentam a falta de água, energia elétrica e combustíveis.
Guterres discursou para líderes políticos do Egito, Jordânia e da Autoridade Palestina, além dos ministros das Relações Exteriores de países árabes e europeus, dirigentes da Liga Árabe, da União Africana e da União Europeia. O chanceler brasileiro Mauro Vieira estava presente na cúpula. Rússia, China, Japão, Canadá e Estados Unidos também enviaram representantes.
'Não vamos embora'
O rei Abdullah II da Jordânia pediu um "cessar-fogo imediato", enquanto o presidente egípcio Abdel Fatah al-Sisi afirmou que a "única solução para a questão palestina é a justiça", insistindo no "direito" dos palestinos "a estabelecer seu Estado".
— Não podemos permitir que este conflito vire uma crise regional — declarou o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez.
Guterres mencionou o "contexto mais amplo", com uma referência a "56 anos de ocupação sem fim à vista", embora tenha ponderado que "nada pode justificar o ataque condenável do Hamas, que deve libertar de maneira imediata e sem condições" os reféns sequestrados em Israel.
O presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, reiterou a necessidade de "acabar com a ocupação israelense dos Territórios Palestinos e de uma solução de dois Estados", um israelense e outro palestino.
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que não viajou à cúpula, afirmou durante sua curta visita a Tel Aviv na quarta-feira que a guerra entre Israel e o Hamas reforça sua "determinação" por uma solução de dois Estados.
— Não vamos embora [das terras palestinas] — repetiu três vezes Abbas, que ao lado do Egito e da Jordânia expressa oposição há vários dias à ordem israelense para que os habitantes do norte da Faixa de Gaza abandonem a área e prossigam para o sul, na fronteira com o Egito.
Os líderes políticos da região consideram que este é um primeiro passo para um "deslocamento forçado" de palestinos em direção ao Sinai egípcio. Abbas afirmou que isto seria o equivalente a "uma segunda Nakba" (catástrofe em árabe), em referência à expulsão de quase 760 mil palestinos após a criação do Estado de Israel em 1948.
Vidas palestinas, vidas israelenses
Abdullah II criticou o "silêncio global", que considerou uma "mensagem muito perigosa".
— A mensagem que o mundo árabe está escutando é alta e clara: as vidas palestinas importam menos do que as israelenses. Nossas vidas importam menos do que outras vidas — declarou. — A aplicação do direito internacional é opcional. E os direitos humanos têm limites, param nas fronteiras, nas raças, nas religiões.
O ministro das Relações Exteriores da Turquia, Hakan Fidan, denunciou a "ajuda militar incondicional a Israel que serve apenas para manter a ocupação" dos Territórios palestinos.
Seu homólogo saudita, Faisal bin Farhan, criticou a rejeição do Conselho de Segurança da ONU a duas resoluções que pediam o fim das hostilidades.
O Egito, que organizou a cúpula, quer desempenhar um papel diplomático importante no conflito. O país foi a primeira nação árabe a assinar um acordo de paz com Israel, em 1979, e desde então o Cairo atua como mediador habitual entre Israel e os palestinos, incluindo o grupo Hamas. Além disso, o Egito tem o único ponto de entrada para a Faixa de Gaza que não é controlado por Israel, Rafah.
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