Notadamente aquela Colômbia dos anos 90 e do início deste século, mas que ainda se mantém. Um país regido por um modelo político assentado no tripé forças armadas, milícias paramilitares e partidos de extrema direita.
Concebido e direcionado não só para combater a guerrilha, mas para sufocar as organizações de esquerda de um modo geral e para reprimir revoltas populares, esse modelo recebeu o apoio decidido dos EUA e, paradoxalmente, foi financiado, em grande parte, por atividades ilícitas, especialmente o narcotráfico.
A estreita associação entre as forças armadas e as milícias acabou por contaminar os militares colombianos com o narcotráfico e outras atividades criminais.
A contaminação era também ideológica: as forças armadas e demais instituições colombianas, principalmente às ligadas à justiça e ao aparelho de repressão, converteram-se em organismos com finalidade política específica, a saber, combater os inimigos do regime.
Essa cooptação das instituições, inclusive das instituições policiais, para o exercício da repressão política havia se dado com notável rapidez na Alemanha nazista.
Quando Hitler chegou ao poder, havia certa desconfiança das polícias alemãs com o nazismo, dado o caráter destrutivo do movimento nos anos 20. Contudo, os nazistas rapidamente cooptaram as polícias.
Como?
Em primeiro lugar, reaparelhando as polícias e dando-lhes aumentos salariais.
Mas isso não foi o mais importante. O mais importante foi o “empoderamento” das polícias.
Com o nazismo, as polícias receberam carta branca para reprimir. Elas foram encorajadas a realizar “atividades preventivas”, frequentemente à margem de quaisquer controles judiciais.
Em pouco tempo, as polícias alemãs se converteram no principal aparelho repressor contra judeus, comunistas e outros indesejáveis do regime. Realizavam o grosso do trabalho sujo, sob a direção da Gestapo e das SS.
Como na Colômbia, as polícias se converteram em polícia política.
No Brasil, essa “colombianização” das polícias e das forças armadas e a “fascistização” dos órgãos do aparelho repressor acontece a olhos vistos com Bolsonaro.
Com epicentro no Rio de Janeiro, o domínio das milícias bolsonaristas, se estende, agora, a quase todo o Brasil, estimulado pelo discurso e as práticas oficiais.
Discursos e práticas originados não apenas na “famiglia”, mas também em governadores que hoje lhe fazem oposição, como Witsel e Doria.
No Congresso há toda uma bancada de milicianos, composta por majores, capitães, delegados, juízes etc., que apoiam a ascensão desses grupos fascistoides e sua conversão em órgãos de repressão política.
As nossas oligarquias tradicionais não parecem perceber o buraco em que se meteram ao apoiar o golpe e a ascensão de Bolsonaro ao poder, buraco que poderá ser aprofundado com o uso atabalhoado, embora corajoso, de escavadeiras.
Após esse processo desavergonhado, tudo se tornou permitido, como diria Dostoievski.
Até mesmo atirar em senador. Mas, convenhamos, para quem já assassinou impunemente uma vereadora, atirar em senador e em outras autoridades é fácil. Tão fácil como era na Colômbia.
E as Forças Armadas não parecem perceber o perigo que correm ao associar-se ao bolsonarismo.
Cegas pelo ódio ideológico de Helenos e que tais, rumam para a contaminação com atividades ilícitas e para a subserviência estratégica aos EUA. Talvez venham a repetir, como farsa, as tragédias de militares colombianos e mexicanos.
As elites políticas alemãs achavam que os nazistas seriam úteis para livrar a Alemanha do comunismo. Porém, foram varridas pelo vendaval que criaram.
Não se controla um fascista, ainda mais um fascista acuado por sérias denúncias de corrupção e de ligação com “escritórios do crime”.
Até hoje, a Colômbia luta para sair da guerra e da armadilha política e estratégica em que se meteu.
Ou o Brasil reage com escavadeiras democraticamente organizadas, ou só nos restará cantar uma cumbia triste. Ou assobiar a Cavalgada das Valquírias.
*Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais.
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