A militarização do governo Bolsonaro com as últimas indicações para a Casa Civil e a Secretaria de Assuntos Estratégicos tem raízes em nossa história recente e no passado.
O general Braga Netto era chefe do Estado-Maior do Exército, o mesmo que no julgamento do habeas corpus de Lula publicou uma foto da reunião de emergência convocada pelo comandante do Exército Eduardo Villas Bôas para, numa aberta e flagrante violação da Constituição, ordenar – isso mesmo – ao STF que não ousasse conceder Habeas Corpus a Lula.
Villas Bôas fez a mesma ameaça via Twitter, o que teria levado à sua prisão imediata em qualquer democracia.
Ali se restabeleceu a tutela militar sobre o poder civil, que estava adormecida no artigo da Constituição Federal que trata das Forças Armadas como garantidora da Lei e da Ordem, a famosa GLO, uma espada de Dâmocles sobre nossa democracia.
Não é de hoje que os militares são uma força política no Brasil.
Fizeram a República; se levantaram logo contra ela na Revolta da Armada; na década de 1920 os tenentes se levantaram várias vezes em rebeliões e insurreições nos quartéis, com dezenas de mortos e feridos, até o triunfo da revolução de 1930, na qual os militares e os tenentes foram a força principal.
Getúlio Vargas governou até 1934, quando, após derrotar a revolta paulista separatista disfarçada de defesa de uma Constituinte, o país ganhou uma Constituição, rasgada em 1937 pelo Estado-Maior do Exército e Getúlio.
Foi substituída pela famosa Polaca, redigida por Francisco Campos, sob o comando do general Góis Monteiro, o chefe do Exército, cópia da Constituição imposta na Polônia pelo ditador Pilziuskque.
O Estado Novo durou até a deposição de Getúlio, em 1945. O presidente eleito, em 1946, Eurico Gaspar Dutra, ex-chefe do Exército, fez um governo reacionário, religioso, pró-Estados Unidos, repressivo aos trabalhadores e à esquerda.
Inconformados com a volta de Getúlio, eleito em 1950, e do seu PTB, partes importantes do Exército e da Marinha e Aeronáutica iniciam uma série de tentativas de golpes de Estado, ou o não reconhecimento dos resultados eleitorais, com a tese da maioria absoluta.
Organizam-se, em 1955, para impedir a posse de JK (Juscelino Kubitschek), com dois levantamentos militares, Jacareacanga e Aragarças.
JK debela as tentativas de intervenção, mas lhes concede anistia. Depois da renúncia de Jânio, dão um golpe, paralisado pela resistência de Leonel Brizola e a divisão do Exército, como em 1955, quando o marechal Henrique Teixeira Lott por meio de um contragolpe assegurou a posse de JK.
Hoje, 1964 é história, mas durou até 1985.
Os militares sempre foram uma força política a serviço das elites conservadoras e pró-Estados Unidos, sem contar a vergonhosa divisão antes da 2ª Guerra entre germanistas – fascistas, lógico – e pró-aliados.
Em 1964, o Brasil se alinhou totalmente aos Estados Unidos, mandando até tropas para a invasão imperialista da República Dominicana para sufocar uma rebelião popular democrática, sempre apoiando as elites agrárias e de direita sob o manto da luta contra o comunismo.
A Constituição de 1988 poderia ter posto um fim nisso, mas não o fez, conciliou com as Forças Armadas e o resultado agora nos assombra.
Eles estão de volta com Bolsonaro, hibernaram 30 anos nas escolas militares e na não submissão do poder militar ao civil.
Apesar do comando civil do Ministério da Defesa, ao qual estão subordinados os ministérios militares, nunca o poder civil decidiu a política militar no Brasil e jamais eles, os militares, aceitaram o presidente da República como comandante em chefe das Forças Armadas.
Controlam o orçamento, as promoções, as prioridades da defesa nacional e de sua indústria, seus planos de armamento.
E com a nova reforma da Previdência deles mesmos, votada apenas nas comissões do Congresso, se tornaram uma casta.
A gravidade da situação política do país está escancarada. Só não vê quem não quer.
Estamos, novamente, sob a ameaça de uma ditadura militar, e fatos como a execução, comandada por Ronnie Lessa, da vereadora Marielle Franco e, agora, no outro polo, a queima de arquivo com a execução do outro suspeito de envolvimento no assassinato, chefe dos milicianos, Adriano da Nóbrega, ambos com ligações mais do que provadas com a família do presidente, só comprovam a que ponto chegamos.
Não se trata mais do risco do autoritarismo, mas da face oculta de todas as ditaduras, a violência acobertada pelo Estado ou por ele promovida.
As impressões digitais são a prova que vivemos de novo às portas de uma nova ditadura. Aos poucos, vamos nos dando conta como nos custará caro ter anistiado os crimes da ditadura.
*José Dirceu foi chefe da Casa Civil no governo Lula.
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