O Cadastro Único para programas sociais do governo federal, também conhecido como CadÚnico, registrou em setembro o maior número de pessoas em extrema pobreza no Brasil desde sua criação, em 2001.
Ao todo, 49 milhões de brasileiros —ou 23% da população— afirmam não ter renda suficiente para sobreviver e precisam de auxílio governamental.
Desde janeiro de 2019, quando teve início o governo de Jair Bolsonaro (PL), até setembro de 2022, o número de pessoas que vivem em extrema pobreza aumentou em 10 milhões. Em dezembro de 2018, eram 39 milhões de brasileiros nessa condição.
Segundo classificação da legislação brasileira, estão na extrema pobreza pessoas que vivem em famílias com renda per capita de até R$ 105 por mês.
É pela renda informada pelas famílias ao CadÚnico que o governo define quem tem direito a receber o Auxílio Brasil e outros benefícios sociais.
Os dados completos podem ser vistos diretamente no site do governo federal, clicando aqui.
"Há alguns pontos coincidentes na área econômica que ajudam a entender essa alta. Em 2020, o número somado de desempregados, desalentados e trabalhadores em tempo parcial era de 27 milhões, ou 4 milhões a mais do que no ano anterior. Esse número se mantém elevado nos anos recentes", afirma o professor Cícero Péricles, que também é pesquisador de economia popular da Ufal (Universidade Federal de Alagoas).
Ele lembra ainda que, nesse período, a inflação cresceu em ritmo acelerado, especialmente no que se refere aos preços de itens básicos como alimento e transporte. Entre janeiro de 2019 e setembro de 2021, o acumulado do IPCA, medido pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), chegou a 24,8%.
"A combinação de desemprego alto e inflação acelerada causa a queda da renda média. Por sua vez, isso ajuda a explicar o endividamento de 80% dos brasileiros e uma taxa de inadimplência de 40%. É esse empobrecimento que tem motivado a procura por algum benefício conseguido por meio do CadÚnico", explica.
O que é cadastro federal?
O CadÚnico é o banco de dados utilizado pelo governo para conhecer as características das famílias que dependem da assistência social. Foi com base nele que o governo expandiu em 500 mil o número de famílias na folha do Auxílio Brasil em outubro —que pagou 21,1 milhões de beneficiários ao todo.
Criado em julho de 2001, já no final da gestão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o CadÚnico se tornou uma referência mundial em banco de dados sociais.
Ao longo de mais de duas décadas acumulando dados, o ápice no número de pessoas em extrema pobreza, antes de Bolsonaro, havia sido em maio de 2014, quando havia 45,7 milhões de pessoas na condição de miséria.
Os números do CadÚnico corroboram os dados de pessoas que passam fome no país, que quase se duplicaram em menos de dois anos. Segundo a pesquisa Vigisan (Inquérito Nacional sobre Segurança Alimentar no Contexto da Pandemia Covid-19 no Brasil), divulgada em junho, 33,1 milhões de brasileiros se encontram nessa situação (15,5% da população).
O levantamento foi realizado pela Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional), que envolve seis entidades parceiras. Em 2020, quando foi realizada a primeira pesquisa deste tipo, eram 19 milhões de pessoas com fome no Brasil (9,1% da população).
Aumento maior em estados ricos
A coluna consultou os dados de todas as unidades da federação. Entre 2019 e setembro deste ano, o maior crescimento no número de pessoas em extrema pobreza do CadÚnico ocorreu fora dos locais que concentram o maior número de famílias na extrema pobreza.
A maior alta foi no Rio de Janeiro, onde o número de famílias na miséria praticamente dobrou nesses três anos e nove meses de gestão Bolsonaro: foi de 935 mil para 1,84 milhão —ou 97% a mais. Distrito Federal, Santa Catarina e Mato Grosso também tiveram altas acima de 70% (veja o mapa abaixo).
Perfil da extrema pobreza
Em termos proporcionais, entretanto, o Norte e especialmente o Nordeste são as regiões onde há maior número de pessoas extremamente pobres.
Os cinco estados que têm maior percentual de pessoas na miséria, em relação à população, estão no Nordeste: Piauí (46,5%), Maranhão (45,8%),Paraíba (40,8%), Bahia (40,1%) e Alagoas (39,5%)
Quando analisados faixa etária e sexo, chama atenção outros dois recortes: quase 60% da população na miséria é formada por mulheres e mais da metade por crianças e jovens de até 24 anos. Já os negros (soma de pretos e pardos) alcançam mais de 70% do total na condição de extrema pobreza.
Raio-x da extrema pobreza no Brasil (setembro de 2022):
Por região:
Nordeste - 23.252.845 (40,3% da população)
Norte - 6.650.230 (35,1% da população)
Sudeste - 13.908.435 (15,5% da população)
Centro-Oeste - 2.304.644 (13,8% da população)
Sul - 2.940.610 (9,6% da população)
Por sexo:
Masculino - 21.039.738
Feminino - 28.017.026
Por moradia:
Urbana - 35.923.623
Rural - 12.959.703
Sem Resposta - 173.438
Por cor/raça:
Parda - 33.164.405
Preta - 3.478.672
Branca - 11.578.018
Indígena - 566.031
Amarela - 262.780
Por idade:
Entre 0 a 17 - 20.156.321
Entre 18 a 24 - 6.292.252
Entre 25 a 34 - 7.229.809
Entre 35 a 44 - 6.581.823
Entre 45 a 54 - 4.982.784
Entre 55 64 - 3.158.317
Maior que 65 - 655.458
Uma das jovens no perfil típico do estrato é Ana Karolaine Silva dos Santos, 24, que mora na Vila Emater, na periferia de Maceió.
Ela conta que em 2018 ainda conseguiu trabalhar de forma temporária, mas desde então não teve mais oportunidades.
"Só trabalhei uma vez na vida, que foi em uma lanchonete, mas de uma amiga. Meu filho mais velho [hoje com cinco anos] era bebê, e ela me deu essa oportunidade de trabalhar com o atendimento ao público", conta a jovem, que mora com os três filhos.
"Eu fiz curso de atendimento ao cliente, de atendente de farmácia e culinária, mas nunca tive oportunidade", afirma ela, que concluiu apenas o ensino fundamental.
Hoje, fora os R$ 600 do Auxílio Brasil, ela recebe apenas R$ 300 de pensão do pai das crianças. "Algumas vezes a minha mãe me ajuda e compra o gás para mim", completa.
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