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Esforço de apagar a participação negra está claro na tela de Antônio Parreiras, na qual o único negro retratado aparece caído e ferido (Foto: Antônio Parreiras/Acervo Fundação Pedro Calmon)Esforço de apagar a participação negra está claro na tela de Antônio Parreiras, na qual o único negro retratado aparece caído e ferido (Foto: Antônio Parreiras/Acervo Fundação Pedro Calmon)

Pesquisa aponta que participação dos escravizados na Independência foi apagada dos documentos

A vitória baiana na luta pela independência não seria possível sem a força e a resiliência de negros, mestiços e indígenas. Mas, a história contada pelos livros durante muito tempo procurou ocultar ou reduzir a importância de descendentes africanos nessa conquista.

Ainda que a imagem do caboclo sempre tenha sido associada ao Dois de Julho, o reconhecimento de personagens como Maria Felipa é recente e carece de documentação, o que divide alguns historiadores quanto à veracidade da sua existência.

O professor Paulo César Oliveira de Jesus, Doutor em História Social pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e docente da Universidade Federal do Recôncavo (UFRB), estuda a população negra no século XIX e acredita que a ausência dos negros escravizados nos relatos históricos foi deliberada.

“De alguma maneira a participação dos escravizados na guerra foi invisibilizada pelo apagamento documental e iconográfico. Ignora-se, por exemplo, que as tropas não poderiam ser formadas por brancos porque a população branca era extremamente diminuta”, pondera o professor.

Paulo de Jesus lembra que o Exército Libertador precisava de braços e os braços disponíveis eram os braços negros. Por outro lado, falar de independência e liberdade ameaçava a sociedade escravista que se dizia escravizada por Portugal.

“A tropa portuguesa tinha experiência e número, combateu Napoleão. O Exército Pacificador tinha uma maioria sem experiência nenhuma de combate. Maria Quitéria se junta porque ouviu falar do recrutamento. Foi mais um cerco que um combate”, defende Paulo de Jesus.

As lutas, propriamente ditas, foram travadas na defesa das propriedades abandonadas pela elite branca, quando esta se retira para o Recôncavo, após a expulsão do Forte de São Pedro. Os negros libertos e escravizados faziam enfrentamentos “na cocó”, como diz o professor, citando os cabras e caiados, nomenclatura atribuída a não brancos mais escuros que mulatos e mais claros que negros.

“São os negros que fazem as batalhas pontuais, chamadas de “pequenas escaramuças”, como a batalha do forte de Itaparica e a defesa do funil (onde hoje existe a ponte), impedindo o escoamento da produção”, detalha o doutor.

No Recôncavo, o Exército Pacificador incorpora indígenas, sertanejos e escravizados disponibilizados pelos seus senhores, que acreditam estar lutando pela própria liberdade ao buscar a libertação do jugo da escravidão de Portugal.

Crioulada de Cachoeira

O esforço de apagar a participação negra na independência fica evidente na tela de Antônio Parreiras, de 1931, exposta no palácio Rio Branco e parte do acervo da Fundação Pedro Calmon. Nela, Tambor Soledade, único negro retratado no episódio da aclamação de D. Pedro I pela Câmara de Cachoeira, em 25 de junho de 1822, aparece caído, ferido pelos disparos dos canhoneiros, que abriram fogo na Barra do Paraguassu em resposta ao ato de insurgência.

O contexto político que cria as bases para o movimento libertador estava longe de possuir uma unidade. Após o retorno da Coroa Portuguesa, durante a revolução Constitucionalista do Porto, em 1820, criou entre os deputados baianos o temor de que Portugal recolocasse o Brasil na condição de colônia anterior à vinda de D. João VI.

“O Partido Brasileiro não forma um grupo homogêneo. Uns queriam federação, outros Reino Unido e outros a independência completa. Mas, sobretudo, todos defendiam a manutenção dos escravos. As Cartas baianas (correspondência trocada com a coroa portuguesa entre 1821 e 1824) revelam o temor de que a luta “perdesse o rumo” e se transformasse numa luta contra a escravidão.

Não é por outro motivo que o general Labatut tem seu pedido negado pelas Câmaras quando solicita a libertação de parte dos escravizados para lutar. O argumento era de que havia libertos suficientes e armar os escravizados seria um risco. “Muitos fugiram e se alistaram. Após a guerra, o governo imperial pediu a libertação dos que lutaram, mas os Senhores negaram”, diz Paulo de Jesus.

Parte da relutância dos “proprietários” de escravizados vinha da recente revolução no Haiti, onde os escravizados se rebelaram contra o domínio francês e tomaram o poder em 1804. Nas mesmas cartas baianas, Maria Bárbara Garcez Pinto retrata o sentimento da sociedade escravocrata e alerta que “a crioulada de Cachoeira fez requerimentos para serem livres”.

Apesar desse temor, não seria possível formar um exército capaz de expulsar os portugueses sem a participação maciça de negros, libertos e, principalmente, escravizados. Paulo de Jesus estima que a tropa patriota era composta por 30% de supostos brancos, 20% de mestiços e 50% de negros escravizados. “Isso se reflete ainda hoje na população baiana, 200 anos depois ainda de maioria negra”, diz o historiador.

E acrescenta: “Nossa história foi contada de forma positivista, através de documentos. Labatut, Lord Cochrane, Maria Quitéria, Joana Angélica, D. Pedro I, são todos brancos. Não chama atenção que não tenha nenhum herói negro?”

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