Perdeu força o debate sobre a existência ou não de método no bolsonarismo como expressão de poder. O consenso hoje é de que há uma ideia, com algum planejamento, nos últimos movimentos de Bolsonaro e dos militares, por mais caóticos que pareçam.
O governo deixa der ser uma expressão do voluntarismo da família numa ala, do fundamentalismo terraplanista de costumes em outra e do que seria o racionalismo da gestão econômica e das reformas num terceiro grupo.
As alas se confundem e se misturam, e Paulo Guedes pode, pelos últimos movimentos, eventualmente estar na turma de Weintraub, Araujo e Damares. A racionalidade foi puxada para os lados do irracionalismo, porque também precisa se alimentar da confusão que este provoca.
A profunda e densa reflexão sobre as domésticas e o dólar e, na sequência, como pedido de desculpas, a frase sobre a mãe do pai que era empregada deixam Guedes mais próximo da ala liderada por Olavo de Carvalho.
Guedes já não precisa fazer advertências sobre a possível volta do AI-5. Essa não é mais uma fala dele. O método é sustentado, por obviedade, pela ala que aprofundou a militarização do governo.
Se Guedes não dá conta de reerguer a economia, enquanto Bolsonaro provoca tumultos semanais, que o bolsonarismo fardado se proteja na reputação dos generais, enquanto pensa uma saída.
E a pergunta agora, superado o dilema sobre o rumo adotado, passa ser outra. Até quando os lastros desse método aguentarão Bolsonaro, considerando-se que os militares dividem com o chefe os riscos representados pela crescente desconfiança dos empresários e pelo distanciamento do Congresso?
Resumindo, a pergunta que atormenta Bolsonaro, os filhos e sua base política orgânica é: quem se dispõe a seguir em frente, com convicção, apesar de tantas loucuras, dentro de um projeto em que não resta quase mais nada de racionalidade?
Quem vai segurar Bolsonaro até o fim (e quando será o fim?), se todos fracassaram até aqui, inclusive o homem poderoso encarregado de fazer reformas e reerguer a economia?
Derrubaram Dilma, prenderam Lula, mexeram na previdência, entregaram o pré-sal, reduziram o juro (e mataram a poupança), aumentaram os lucros dos bancos, mataram um miliciano e nada acontece na vida real como o previsto pelo liberalismo aliado do bolsonarismo.
Não há mais como segurar o dólar, o desemprego, o preço da gasolina e a desilusão dos liberais. Falta saber, nas próximas pesquisas, se Bolsonaro mantém sua base de aprovação ao redor de 30% e se o ‘povo’ sairá às ruas no dia 15 de março, em resposta à convocação do general Augusto Heleno para que a população afronte o Congresso.
Heleno foi quem deu o sinal para a mobilização que pode ser um fracasso, porque nunca ninguém foi à Avenida Paulista para exaltar Bolsonaro, mas Sergio Moro. A convocação deixa claro que os militares conduzem o método que Bolsonaro, sob a orientação dos generais, ainda procura entender.
Lembremos que, pouco antes de eleição de 2018, o então candidato a vice Hamilton Mourão considerou que, diante da ameaça de anarquia nas ruas, o novo governo poderia aplicar um autogolpe.
É a possibilidade que passou a ser considerada diante da anarquia promovida pelo próprio Bolsonaro e pela ameaça de caos disseminado por motins das polícias. Os generais permitirão que o poder seja compartilhado pela força política de novas milícias?
É bem provável que o autogolpe, com Bolsonaro apenas como figurante, já esteja acontecendo e seja mais visível a partir da Quaresma.
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