No terceiro trecho da entrevista exclusiva concedida pela presidente Dilma Rousseff aos jornalistas Tereza Cruvinel, Leonardo Attuch e Paulo Moreira Leite, do 247, a presidente Dilma Rousseff falou de programas sociais, como o Mais Médicos, e também das primeiras decisões econômicas do governo interino, com a ampliação do déficit para R$ 170 bilhões.
Antes, ela comentou os primeiros sinais de censura promovidos pelo governo provisório (leia aqui) e também falou sobre sua intenção de rever o que considerou desmandos promovidos por Michel Temer (leia aqui).
Confira, abaixo, a terceira parte da entrevista:
247 – O governo interino já fala em tirar os estrangeiros do programa Mais Médicos. Quais seriam as consequências?
Dilma Rousseff – Olha, se tirarem os médicos estrangeiros, o Mais Médicos acaba hoje. Porque os estrangeiros, especialmente os cubanos, são a grande maioria dos profissionais que participam do programa. Por que nós fizemos o Mais Médicos? Porque a nossa quantidade de médicos per capita era e ainda é muito baixa. Bem abaixo de países vizinhos como Argentina e Uruguai. E quando se compara com países como a Inglaterra, aí nem se fala. Um dos objetivos do governo é ampliar as escolas de medicina, e não apenas nas capitais. Mas leva-se muito tempo para formar um médico.
247 – Não é possível continuar o programa apenas com médicos brasileiros?
Dilma – Não. Antes do Mais Médicos, tínhamos mais de 700 municípios brasileiros sem um único médico. O médico formado no Brasil, muitas vezes, não ia para a periferia de grandes cidades. Aliás, o estado de São Paulo, o mais rico do País, foi o que mais demandou profissionais do programa. Tínhamos mais de 20 milhões de habitantes mal atendidos. Não estamos falando do Cafundó do Judas, mas de São Paulo.
247 – Muitos consultórios médicos foram departamentos de propaganda do impeachment, a senhora sabe?
Dilma – Bom, mas aí meu querido... Como a oferta de médicos é pequena, médicos não iam para a periferia das grandes cidades, para o Amazonas, para os departamentos de saúde indígena. Nós temos pesquisa. Mais de 90% das pessoas beneficiadas aprovam. E mais de 60 milhões de pessoas são atendidas pelo Mais Médicos. São 63 milhões de pessoas.
247 – Mas este governo toma muitas decisões de natureza ideológica. Isso por determinar a saída dos cubanos?
Dilma – Eu não acredito, especialmente depois que os Estados Unidos buscaram uma reaproximação com Cuba, isso perdeu força, ficou fora de moda. Mas eu preciso dizer uma coisa. Viva o médico cubano! Viva o médico cubano! O médico cubano segura no paciente, ele olha você, ele te toca, ele olha o seu histórico, ele vai na sua casa, se for necessário. Eles têm uma visão da medicina que é muito importante para os médicos brasileiros. Por outro lado, eles também elogiam muito o médico brasileiro, que é muito bem preparado e muito bem formado. Eu acredito que há uma complementariedade. Outro ponto interessante é que os médicos cubanos elogiam muito a qualidade das nossas enfermeiras.
247 – Numa das cidades por onde passou a tocha olímpica, um médico cubano foi escolhido para carregá-la. É um sinal de reconhecimento?
Dilma – Com certeza. Há uma identificação muito grande entre o médico cubano e o povo brasileiro. Ele tem cara de povo brasileiro. Tem jeito de brasileiro. É importante que se diga que o convênio não foi fechado com o governo cubano, mas com a Opas, a Organização Panamericana de Saúde. Se quiserem tirar os cubanos, isso vai criar um problema grande com a Opas, com a Organização Mundial de Saúde, com a OCDE. Seria mais uma quebra unilateral de contrato. E um contrato internacional. O Porto de Mariel, que eu tive que explicar muito durante minha campanha, também é outra razão que derruba esse preconceito ideológico.
247 – Por quê?
Dilma – Hoje, tem uns 30 empresários americanos se instalando lá. Porque é o porto mais importante do Caribe, que será administrado pelos holandeses, que têm muita expertise nessa área.
247 – Falando de economia, o governo interino responsabiliza a senhora pelo déficit de R$ 170 bilhões.
Dilma – Eles são totalmente responsáveis por isso. Eu não estou criando 14 mil cargos. Eu era contra a pauta-bomba. Eu vetei os aumentos. Nós mandamos para o Congresso um déficit de R$ 96 bilhões, porque há uma queda de arrecadação constante. Eles jogaram para R$ 170 bilhões para ter margem para gastar e, com isso, criar as condições políticas para o impeachment.
247 – Querem comprar consciências para aprovar o impeachment na segunda votação no Senado?
Dilma – Isso me parece claro. Eles querem controlar a sua base, e garantir os votos, por meio do gasto público. Por isso, aumentaram o déficit. Outro motivo é escapar do controle do Tribunal de Contas da União. Porque a situação que o TCU criou nesse processo de impeachment praticamente inviabiliza qualquer política fiscal. Hoje, o Brasil vive uma crise que reduz a arrecadação. Pela lógica do TCU, haveria risco de "shutdown", paralisando todas as atividades do Estado, toda vez que o gasto batesse no teto. Eles colocam a faca no nosso pescoço.
247 – Qual é o peso da crise política nessa queda de arrecadação?
Dilma – O Joseph Stiglitz (prêmio Nobel de Economia) veio aqui e disse uma coisa interessante. A crise econômica, com a queda das commodities e a retração internacional, era inexorável. Mas ele também disse: o que vocês não conseguem explicar é a crise política.
247 – A senhora vê sinais de retomada?
Dilma – Muitas coisas que estão acontecendo agora nós já preparamos. Por exemplo, a queda da inflação. Houve uma desvalorização cambial, uma mudança de preços relativos e o impacto inflacionário já foi contido. Estão dizendo que agora vai ter superávit externo. Nós saímos de um déficit de US$ 4 bilhões, passamos para um superávit externo de US$ 20 bilhões no ano passado e, neste ano, o superávit vai ficar entre US$ 40 bilhões e US$ 50 bilhões. O que é muito bom, num momento em que o mundo inteiro está andando de lado. Agora, em momentos de expansão, quando tudo vai bem, não há conflito distributivo. Eles surgem em momentos de retração.
No próximo trecho da entrevista, a presidente Dilma Rousseff tratará da questão tributária e da inserção do Brasil no contexto internacional. A entrevista completa será disponibilizada na Revista Brasil 247, no Flipboard.
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