A Nike e a CBF sustentaram inicialmente que a cor vermelha não tinha conotação política (Foto: Reprodução)
Uma camisa de futebol que ainda nem foi oficialmente lançada acabou no centro de uma tempestade política. O uniforme vermelho da Seleção Brasileira — planejado pela Nike para a Copa do Mundo de 2026, que será realizada nos Estados Unidos, Canadá e México — gerou protestos de parlamentares, inundou as redes sociais de polêmicas e inspirou ao menos seis projetos de lei protocolados na Câmara em apenas um dia. A polêmica escancarou a tensão ideológica que divide o país e revelou como símbolos nacionais estão cada vez mais imersos na disputa partidária.
A Nike, fornecedora oficial dos uniformes da Seleção, planejava substituir a tradicional camisa azul do segundo uniforme por uma nova versão vermelha, segundo informações divulgadas inicialmente pelo site Footy Headlines. A cor teria sido escolhida como estratégia comercial com o objetivo de ampliar o apelo de vendas e atrair novos públicos às vésperas da Copa do Mundo de 2026. A decisão, segundo as primeiras notícias, contou com aval da CBF, embora não houvesse consenso interno – alguns dirigentes teriam sugerido lançar o uniforme como terceira opção, o que não faz parte das práticas da Nike em seleções nacionais.
A peça traria ainda o símbolo da Jordan, marca da Nike ligada ao ícone do basquete Michael Jordan, repetindo uma fórmula de marketing já usada com clubes como o Paris Saint-Germain.
Estratégia de venda ou provocação política?
A Nike e a CBF sustentaram inicialmente que a cor vermelha não tinha conotação política. A justificativa publicitária foi acompanhada por tentativas de uma parcela dos brasileiros de ressignificar o uso da cor: usuários nas redes sociais associaram o tom ao pau-brasil – árvore que dá nome ao país e cuja madeira tem coloração avermelhada, sugerindo que o vermelho poderia, inclusive, ser mais patriótico do que subversivo. Outra parcela, aparentemente maior - ou mais barulhenta - associou a cor ao PT.
A reação da direita foi imediata. Nas redes, o vermelho foi lido como uma provocação ideológica, uma “camisa do PT”. A indignação deu origem a memes, críticas e, rapidamente, a uma mobilização legislativa.
No dia 30 de abril, dois dias após a primeira notícia, a Câmara dos Deputados recebeu seis projetos de lei com o objetivo de proibir a seleção de utilizar qualquer cor fora da paleta da bandeira nacional – verde, amarelo, azul e branco. O deputado Daniel Agrobom (PL-GO), por exemplo, disse que a CBF "voltou atrás", interpretando a nota oficial da entidade como um recuo.
Outros parlamentares também reagiram com veemência. Zé Trovão (PL-SC) declarou que “a seleção representa os 220 milhões de brasileiros” e que “não vamos deixar corromperem a bandeira do Brasil! Ela jamais será vermelha!”. Otoni de Paula (MDB-RJ) chegou a afirmar que “se a esquerda deseja ter o seu uniforme, então que mude de país”. Ambos, como já é de costume da direita, fazendo alardes e “jogando para a plateia” (como se diz no vocabulário político), já que nem a Nike nem a CBF têm qualquer poder de mudar as cores da bandeira nacional, ou de qualquer símbolo oficial do país. A camisa da seleção, vale lembrar, não é um símbolo oficial.
CBF desmente oficialmente – mas contradições persistem
Em meio à pressão, a CBF emitiu uma nota negando que os uniformes vermelhos fossem oficiais. Disse que as imagens que circulavam nas redes eram “não oficiais” e que a nova linha de uniformes para 2026 ainda estava sendo definida junto à Nike. A declaração, contudo, abriu margem para interpretações ambíguas.
Apesar da negativa, o *Footy Headlines* reafirmou que a camisa vermelha estava, sim, nos planos da coleção desenvolvida pela Nike. O perfil especializado brasileiro *Mantos do Futebol* também confirmou que a peça fazia parte do planejamento original. Com a repercussão negativa, a fornecedora estaria agora reconsiderando a proposta, possivelmente abandonando o tom vermelho em favor de opções mais tradicionais.
Erro de leitura cultural ou aposta arriscada no marketing?
O episódio expõe uma dúvida incômoda: a Nike tentou, deliberadamente, capitalizar em cima da polarização política brasileira? Ou cometeu um erro estratégico ao aplicar no Brasil uma lógica de marketing testada em outros contextos culturais, ignorando o simbolismo político das cores no país?
Em outros mercados, uniformes alternativos com cores não tradicionais são práticas comuns e bem aceitas. A introdução de camisas com a marca Jordan, por exemplo, elevou as vendas do PSG e de outras equipes ao redor do mundo. Mas no Brasil, onde as cores da camisa da seleção foram, nos últimos anos, apropriadas como símbolos políticos em disputas eleitorais e manifestações de rua, o vermelho não é uma cor neutra – é uma bandeira.
Neste contexto, a Nike parece ter subestimado (ou ignorado) o peso simbólico da cor no imaginário político brasileiro, o que gerou um efeito oposto ao desejado: em vez de ampliar o público e gerar entusiasmo, provocou reação adversa, tensão institucional e transformou uma ação de marketing em pauta legislativa.
O caso da camisa vermelha da seleção revela um país onde as batalhas simbólicas invadem até o vestuário esportivo. A seleção brasileira, antes espaço de união nacional, passou a ser vista como território em disputa, onde até a cor da camisa pode representar um lado do espectro político.
O debate, agora judicializado no Congresso, ultrapassou a esfera do design e do marketing para escancarar o quanto o Brasil está fraturado – e o quanto símbolos antes consensuais, como a Seleção, já não estão imunes à polarização. Uma camisa que poderia ser apenas uma peça publicitária se tornou, ironicamente, um retrato fiel do momento político do país: um lugar onde até o vermelho da brasa virou sinal de guerra.
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