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 Saiba o que une os dois personagens que passaram ilesos pela Polícia Federal. Foto: Divulgação Saiba o que une os dois personagens que passaram ilesos pela Polícia Federal. Foto: Divulgação

O escândalo de espionagem descoberto pela Polícia Federal, que ficou conhecido como 'Abin paralela', não surgiu do nada. Não veio do vácuo. Para entender como a estrutura do estado brasileiro foi usada para vigiar e atacar inimigos políticos de Jair Bolsonaro, é preciso voltar no tempo — e reconhecer que o esquema não é filho bastardo, muito menos paralelo.

 

Em primeiro lugar, é necessário olhar com seriedade para a Agência Brasileira de Inteligência — ainda que o próprio órgão não tenha se dado ao respeito. Criada em 1999, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, a Abin surgiu para tornar o serviço de inteligência brasileira um órgão civil.

Àquela altura, o Serviço Nacional de Informações, a estrutura de espionagem da Ditadura Militar, supostamente havia sido extinta há quase dez anos, em 1990, na gestão de Fernando Collor. Mas, na verdade, o SNI não tinha acabado — só mudado de nome, alocado provisoriamente na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência.

Como escrevi numa reportagem do Intercept Brasil no final de 2023, enquanto estava na SAE, no primeiro mandato de FHC, a estrutura de espionagem seguia a todo vapor. Na ocasião, revelei que atividades partidárias do PT, viagens de Lula e movimentos como o MST eram alvo de uma arapongagem sistemática.

Se naquele período, mesmo democrático, a estrutura era instrumentalizada para fins políticos, com a criação da Abin as coisas pioraram. Muito pressionado, FHC admitiu que o serviço de inteligência voltasse ao guarda-chuva dos generais, vinculando a nova Abin à antiga Casa Militar, basicamente um escritório militar dentro da Presidência da República.


O cenário fica ainda pior com o golpe contra Dilma Rousseff. Em uma de suas primeiras ações, Michel Temer transformou a Casa Militar no Gabinete de Segurança Institucional, o GSI, e o elevou ao status de ministério. Como ministro-chefe, nomeou o general Sérgio Etchegoyen, então chefe do Estado-Maior do Exército. O militar, então, passou a ter papel-chave no governo.


Com a caneta na mão, Etchegoyen semeou as condições ideais para um escândalo de espionagem. Uma de suas principais medidas foi um decreto que instituiu a Política Nacional de Segurança da Informação. O texto abriu espaço para contratações sem concorrência pública com base na “ameaça à segurança nacional”.

Dessa forma que a Abin pôde contratar, sem transparência ou licitação, o First Mile, software israelense utilizado para monitorar a localização de seus alvos – e usado de forma massiva no governo Bolsonaro. Mas não foi só esse o legado de Etchegoyen para a erosão democrática causada pela devassa na privacidade dos brasileiros.

Foi o general que levou ao GSI, ainda em 2017, um dos principais protagonistas do escândalo de espionagem bolsonarista: Giancarlo Gomes Rodrigues, sargento do Exército com quem havia trabalhado junto no Estado-Maior do Exército em 2015 e 2016.

Uma portaria publicada no Diário Oficial da União em agosto de 2017 mostra a autorização do então comandante do Exército, o general Eduardo Villas-Bôas, ao pedido de Etchegoyen para que Giancarlo passasse a integrar os quadros do GSI de Temer. Agora, como revelou a PF, sabemos que Giancarlo é peça-chave no escândalo de espionagem bolsonarista: foi quem sugeriu um tiro na cabeça de Alexandre de Moraes.

Longe dos holofotes, Etchegoyen não foi o único que passou longe das investigações da PF e do debate público sobre os crimes da Abin. Seu sucessor no GSI, o general Augusto Heleno, também não consta no relatório, não é investigado, tampouco foi incomodado nos últimos meses. Ele era, de fato e de direito, o chefe de Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin.

Heleno era uma das pessoas presentes na reunião, também revelada pela PF, em que Bolsonaro e Ramagem discutem como usar a Abin para proteger o senador Flávio Bolsonaro, do PL, das investigações sobre os crimes de rachadinha, em 2019. Em uma das reuniões golpistas de 2022, Heleno sugeriu colocar a Abin a serviço do golpe de estado.

Como os generais que têm escapado da PF, a estrutura de inteligência das Forças Armadas também segue protegida, longe do escrutínio público. Ainda que nunca tenham largado a Abin, os militares não deixaram de investir nos seus próprios centros de inteligência no Exército, na Marinha, na Aeronáutica e no Comando de Defesa Cibernética, que reúne membros das três forças.

É fato: para Bolsonaro, o cerco está fechando. Mas, para os generais que lhe abriram espaço e criaram as condições para um golpe, isso ainda está muito longe de acontecer.

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