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Dilma Rousseff durante auditoria militar do Rio de Janeiro, em 1970 (Foto: Arquivo Nacional da Comissão da Verdade)Dilma Rousseff durante auditoria militar do Rio de Janeiro, em 1970 (Foto: Arquivo Nacional da Comissão da Verdade)

"Meu dente começou a cair e só foi derrubado posteriormente pela Oban [Operação Bandeirante]. Minha arcada girou para outro lado, me causando problemas até hoje, problemas no osso do suporte do dente. Me deram um soco e o dente deslocou-se e apodreceu. Tomava, de vez em quando, Novalgina em gotas para passar a dor. Só mais tarde, quando voltei para SP, o [capitão do Exército Benoni de Arruda] Albernaz completou o serviço com um soco, arrancando o dente."

O depoimento de Dilma Vana Rousseff à Comissão de Indenização a Ex-Presos Políticos do Rio Grande do Sul em 25 de outubro de 2001 remonta à dor e ao sofrimento de cerca de 20 mil torturados, segundo a Human Rights Watch (HRW), nos porões da ditadura militar no Brasil entre 1964 e 1985. Desses, 434 foram mortos ou seguem desaparecidos, em uma ferida aberta ainda durante o processo de colonização que segue exposta e latejante.

"O regime ditatorial do Brasil de 1964 foi o resultado de um longo processo de caos político, institucional e econômico que guarda fortes resquícios do período colonial extremamente violento e que ainda não acabou", resgata o psicanalista e doutor em sociologia Fábio Dal Molin, professor da Universidade Federal do Rio Grande (Furg).

Citando o médico austríaco Sigmund Freud, considerado o pai da Psicanálise, Dal Molin diz que a violência, o sadismo e a autodestruição são atributos humanos de origens evolutivas, e que os sentimentos que nos unem é o que nos salva da aniquilação.

"Contudo Freud coloca que o medo, o ódio, a agressividade são, paradoxalmente, potentes agregadores. Igrejas, exércitos, nações, máfias, milícias são grupos construídos por sujeitos que guardam entre si laços amorosos superficiais concêntricos, ou seja, voltados para dentro, projetando todo o seu mal para fora. Esses laços existem em torno de um ideal ou de um líder, e servem como amparo e proteção dos sujeitos de suas próprias ansiedades e medo", explica.

Da escravidão à ditadura

Primeiro ministro dos Direitos Humanos do Brasil, nomeado por Lula em 2003, Nilmário Miranda voltou a Brasília como assessor especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade da pasta, hoje comandada pelo advogado e filósofo Silvio Almeida.

Preso por mais de três anos após ingressar nas fileiras de resistência à ditadura pelas mãos de "Dilminha", Nilmário conta à Fórum que a tortura sofrida em 1972 no Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de São Paulo só pode ser compreendida olhando-se o passado, na escravidão, fruto da ganância da mesma elite que se une, ainda hoje, contra quaisquer movimentos progressistas na sociedade.

"Ninguém vai entender a tortura se não entender a escravidão. A tortura está no centro do entendimento da cultura escravista, que tem reflexos até os dias atuais, como na atuação das polícias militares", afirma o assessor de Almeida, que busca construir centros de memória da tortura em locais emblemáticos como a Casa da Morte, centro clandestino de tortura criado pela ditadura que se encontra em processo de desapropriação na cidade Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro.

Aos 77 anos, co-autor do livro Dos Filhos Deste Solo, com centenas de relatos de torturados, Nilmário conhece como poucos os porões da ditadura e os métodos cruéis que causaram sequelas nos corpos dele e de amigos e na sociedade brasileira.

"Passei por ao menos quatro presídios e oito sessões de tortura. Lembro de companheiros que não aguentaram conviver com isso. Ao menos dois se suicidaram. Outros tantos partiram cedo demais, antes dos 50 anos, como consequência de tudo que sofreram tanto na parte física como psicológica", conta.

"Comunismo" e tortura

Autora de estudos acadêmicos sobre "sofrimento e tortura nas ditaduras do Brasil e Argentina", a psicóloga e pesquisadora Myrna Coelho, descreve em uma de suas pesquisas a submissão dos militares dos dois países aos interesses econômicos dos EUA à época.

"Os 'militantes de esquerda'tinham a noção de que a “guerra antisubversiva” (tanto no Brasil quanto na Argentina) era uma criação político-paranóica dos militares baseada em princípios norteadores da CIA e do FBI estratégicos para eliminação de qualquer mínimo perigo oferecido, mesmo que construído historicamente, ao capitalismo e ao imperialismo estadunidense."

Segundo o estudo, isso pode ser constatado no financiamento das ditaduras e torturas no cone sul, na maioria vinculadas às empresas multinacionais.

Em sua obra de cinco livros sobre a ditadura, o jornalista Elio Gaspari cita, por exemplo, que a tortura no Brasil foi financiada por 15 grandes bancos brasileiros, além de empresas multinacionais, que contavam com apoio dos donos dos grandes grupos de mídia, que ainda hoje são propagadores do neoliberalismo.

Segundo Dal Molin, essa aglutinação dos interesses da elite brasileira com o sistema financeiro internacional forjou a ideia do "inimigo interno" e do discurso contra o "fantasma do comunismo", que ainda hoje reverbera e é usado pela ultradireita fascista.

"O medo dos pobres, da crise econômica, da emancipação das mulheres e da perda de privilégio das elites se condensou no fantasma do comunismo e da revolução que rondava o mundo desde as revoluções Russa, Chinesa e Cubana. Isso foi o caldeirão que forjou uma massa de classe média, elite e militares, que passou a considerar uma parte do país como um inimigo, um estranho ameaçador", afirma Dal Molin.

Das senzalas às periferias

A tortura como prática de intimidação e terror da burguesia brasileira, portanto, perpassa a ditadura militar.

A imposição de uma cultura do medo aos negros escravizados, que ganhou face na figura do capitão do mato, vestiu farda durante os anos de chumbo e, ainda hoje, perambula pelas vielas de periferias defendendo os interesses burgueses, capitaneados sempre por "mitos", que vão e voltam ao poder de tempos em tempos.

Presidente de honra do Grupo Tortura Nunca Mais e membro do Movimento Nacional de Direitos Humanos, o advogado Ariel de Castro Alves afirma que a tortura segue nas comunidades dependendo do "humor" dos policiais ou dos governantes, que tratam a população periférica como cidadãos sem direitos – assim como a ditadura via os "comunistas".

"A tortura que ocorria no passado por motivos políticos e ideológicos contra operários, intelectuais e estudantes contrários à ditadura continuou sendo praticada em larga escala no Brasil nas abordagens policiais e nas prisões, contra jovens, negros e pobres", diz.

Castro Alves ainda alerta para o treinamento dos PMs, que deixam os quartéis com a sanha de enfrentar "os inimigos de uma guerra contra o crime".

"As polícias militares brasileiras são previstas na Constituição como reservas do Exército. Então são apensos, anexos do Exército brasileiro. Atuam mais subordinadas ao militarismo do Exército do que ao poder civil dos estados e, principalmente, da população, que paga impostos e mantém as polícias. Por isso produzem tantas mortes, torturas, abusos de autoridade e desaparecimentos forçados."

"Por que muitos policiais reagem ao uso de câmeras nas fardas? Porque não sabem 'trabalhar' sem praticar abusos e torturas, foram treinados assim, de geração em geração, desde o regime militar", emenda.

Da ditadura a Bolsonaro

Secretário especial de Direitos Humanos durante o governo Dilma Rousseff, Rogério Sottili é diretor-executivo do Instituto Vladimir Herzog, que resgata a memória de um dos casos de assassinato mais simbólicos da ditadura militar.

Jornalista, professor e dramaturgo, Vlado foi torturado e assassinado no Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), órgão de tortura subordinado ao Exército durante a gestão do general Ernesto Geisel, em 25 de outubro de 1975.

Ao Serviço Nacional de Informação, o SNI, os militares afirmaram que "Herzog suicidou-se" com uma foto do jornalista amarrado a uma corda com 1,63 metro de altura.

"O caso de Herzog é indiscutivelmente um símbolo sombrio da brutalidade da ditadura militar no Brasil e do clima de medo e repressão que ela instaurou", diz Sottili, que ressalta que "a tortura e a violação dos direitos humanos durante esse período deixaram marcas profundas na sociedade brasileira, que ainda reverberam até os dias de hoje".

Ele lembra que a perseguição à Vlado na ditadura voltou durante o governo Jair Bolsonaro (PL), que sete meses após assumir a Presidência tripudiou sobre a memória do jornalista dizendo que "querem vitimizar em cima da morte do Herzog": "Suicídio acontece", emendou o ex-presidente.

"A ascensão do governo Bolsonaro, que abertamente defende esses métodos autoritários, apenas escancarou um retrocesso perigoso em direção a um regime baseado no medo e na intimidação", diz Sottili, lembrando que "é importante, nesse marco de 60 anos do golpe, destacarmos e defendermos a importância vital da memória, da verdade e da justiça para a consolidação da democracia no Brasil".

Para Nilmário Miranda, a vitória da democracia sobre o mais recente golpe, articulado por Bolsonaro, foi emblemática, mas mostra que é preciso superar a tortura e o medo por meio da consolidação da democracia.

Em seu depoimento à Comissão de Indenização a Ex-Presos Políticos do Rio Grande do Sul, nove anos antes de subir a rampa do Palácio do Planalto como primeira mulher eleita presidenta do Brasil, Dilma Rousseff lembrou que as feridas abertas na sociedade ainda durante o processo de colonização e que sangraram durante toda a História do Brasil ainda estão em cada um dos mais de 200 milhões de brasileiros. "As marcas da tortura sou eu. Fazem parte de mim", disse. Estão em Dilma e estão em todos nós.

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