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Julgamento sobre desinformação durante as eleições pode impor sanções inéditas a 46 aliados do ex-presidente. Foto:  Sergio Lima - AFPJulgamento sobre desinformação durante as eleições pode impor sanções inéditas a 46 aliados do ex-presidente. Foto: Sergio Lima - AFP

Condenado em 3 das 6 ações de inelegibilidade julgadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Jair Bolsonaro (PL) ainda enfrentará 10 processos, e isso apenas na esfera eleitoral. E dessa vez os alvos não se limitam a ele e seu vice na chapa das últimas eleições, o general Walter Braga Netto, também condenado na semana passada. Outras 46 pessoas podem ser declaradas inelegíveis e até perder mandatos vigentes.

 

O julgamento, iniciado nesta quinta-feira (9), desta vez mira a utilização de dezenas de perfis em redes sociais para supostamente produzir e difundir conteúdos falsos, fake news e ataques orquestrados a opositores  durante a corrida eleitoral de 2022. Prática que, de acordo com o Código Eleitoral, configura uso indevido dos meios de comunicação e abuso de poder político - mesma justificativa que gerou três condenações por inelegibilidade a Bolsonaro, duas delas votadas na semana passada.

Para juristas ouvidos pelo Brasil de Fato, eventuais condenações podem causar grande impacto no “sistema nervoso” do bolsonarismo, que desde 2018 estaria se beneficiando de táticas da extrema direita em todo mundo. Para o advogado Acácio Miranda, especialista em direito penal e eleitoral, há robustez nas provas colhidas durante o processo e uma jurisprudência formada no sentido de aplicar a condenação no caso.

“Quando nós comparamos com as duas condenações anteriores, essa é supostamente mais grave porque envolve fake news, uma estrutura de campanha destinada especificamente à produção de fake news e um corpo de pessoas, todas elas próximas ao ex-presidente. E obviamente a propagação de fake news corresponde a uma irregularidade eleitoral e um dos efeitos é a inelegibilidade”, sustenta.

Alexandre Rollo, Professor de Direito e Conselheiro Estadual da OAB-SP, também reforça o amadurecimento da corte eleitoral sobre a necessidade de frear a desinformação em nome da integridade da democracia. O processo inclui também três filhos do ex-mandatário, Carlos, Flávio e Eduardo Bolsonaro, além de deputados recém-eleitos ou reeleitos, como Carla Zambelli, Alexandre Ramagem, Bia Kicis e Mário Frias, todos esses do PL.

“Se ficar demonstrado esse uso nocivo, gabinete do ódio etc, aí a consequência é o julgamento da procedência, o acolhimento dessa representação e o apenamento de quem estiver envolvido. Com o seguinte detalhe, para Bolsonaro não, porque ele não tem mandato eletivo, como sabemos ele perdeu a eleição, mas para eventuais mandatários, por exemplo, os filhos (...), poderia ser o caso até de cassação de mandato eletivo além da elegibilidade”, salienta Rollo.

Dança das cadeiras não deve mudar cenário

A ação, protocolada em dezembro passado pela chapa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) depois de eleito, foi acatada pelo corregedor-geral da justiça eleitoral, o ministro Benedito Gonçalves. Ele participa da sua última sessão na corte neste dia 9, quando encerra seu mandato no TSE.

A presidência do tribunal passará a ser preenchida pelo ministro Raul Araújo, que já proferiu decisões favoráveis a Bolsonaro. E no lugar de Benedito Gonçalves entra Isabel Gallotti, que no passado também já emitiu votos contrários ao relator enquanto ministra substituta.

Históricos que não apontam necessariamente uma mudança de curso, na avaliação de Lenio Streck, professor de direito constitucional. “A saída do ministro Benedito Gonçalves não vai proporcionar alterações substanciais na composição do TSE. Atualmente, é uma composição que desfavorece Bolsonaro, porque a jurisprudência firmada está clara no sentido de considerar ilícitas as atividades do ex-presidente Bolsonaro. O último julgamento já demonstrou isso”, afirma o jurista, em menção às ações sobre a celebração do 7 de Setembro passado.

Para Rollo, mesmo as decisões de Gallotti favoráveis ao ex-presidente não permitem tirar conclusões sobre o seu perfil, que segue envolto em dúvidas. “Os votos dela foram muito mais técnicos do que ideológicos nas ações anteriores que ela participou e que foram favoráveis ao ex-presidente. Por isso, fica difícil a gente cravar um possível resultado. Mantido esse viés técnico da ministra, eu acho que ela vai pela condenação”, avalia.

Lenio Streck possui entendimento semelhante, tendo em vista os potenciais prejuízos causados pela desinformação no último pleito: “Acredito na possibilidade de condenação de Bolsonaro, dos seus filhos e aliados nesse caso específico da disseminação de fake news. Foi um dos casos mais escandalosos da história, isso já está delineado no processo, está muito claro daquilo que se desenvolveu nas investigações e que todo mundo sabe, o TSE sabe, que do papel nefasto que as fake news desempenharam.”

Jurisprudência é recente e ainda enfrenta resistências

Até 2018, a análise da justiça eleitoral sobre possíveis infrações de comunicação se limitava ao que era veiculado no rádio, na TV e nos jornais. A inclusão das redes sociais só seria feita a partir do pleito daquele mesmo ano, após a observação do impacto causado pela desinformação, vista como fundamental para a primeira grande vitória da extrema direita no país.

A nova jurisprudência seria marcada pela cassação do mandato do deputado estadual Fernando Francischini, à época do PSL do Paraná, por fazer uma live no Facebook no dia em que foi eleito, atacando as urnas eletrônicas. Decisão que chegou a ser cassada pelo ministro Nunes Marques em 2022, antes de ser finalmente restabelecida por maioria no Supremo Tribunal Federal (STF).

Diferentemente das multas impostas às campanhas de Bolsonaro e seus aliados nas eleições do ano passado - punição semelhante às impostas a Lula, Ciro Gomes e outros candidatos à época - o caso Francischini é tido como um precedente para o caso a ser julgado no TSE. Essa é a opinião de Alexandre Rollo, que enxerga o mesmo modus operandi nos casos colhidos no processo que envolve outros expoentes do bolsonarismo, incluindo a própria família do ex-presidente.

“O uso nocivo da internet - isso está mais do que comprovado - gera influência no eleitorado e pode inclusive alterar o resultado da eleição. A internet tem um poder de penetração gigantesco. Uma publicação viraliza na internet e daqui 10 minutos as pessoas já viram, sabemos como isso funciona hoje em dia, então o TSE está adotando uma postura para que as pessoas saibam que internet não é terra de ninguém, há regras que precisam ser seguidas”, pontua Rollo

“É óbvio que a defesa, de forma habilidosa, dirá que era livre manifestação de pensamento, porque a campanha publicava, os outros usam a publicação ou replicavam aquilo de forma voluntária, muito mais como forma de defender aquelas ideias do que como algo orquestrado. Mas não dá para negar que era algo orquestrado, porque todos os compartilhamentos aconteceram em instantes depois por um grupo de pessoas que faziam parte do entorno do presidente, então esse viés de associação com essa finalidade está muito bem desenhado”, pontua Miranda.

Se até agora o Código Eleitoral foi pioneiro em criminalizar a propagação ou divulgação das fake news, incluindo uma alteração no seu artigo 219, o debate precisa avançar também no Congresso Nacional. Lá, o assunto está emperrado e mudanças pretendidas na legislação não foram feitas a tempo das eleições municipais do ano que vem - o prazo venceu no início de outubro.

Também é incerto o desfecho do projeto de lei das Fake News (PL 2630/20), relatado pelo deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), que prevê maior responsabilidade e transparência por parte das empresas que dominam o setor. Ainda na Câmara, a minirreforma eleitoral evitou o assunto e, embora tenha aprovado um novo código eleitoral em 2021, o projeto não avançou no Senado.

Uma resistência no Parlamento que pode crescer mais ainda a depender das decisões da justiça eleitoral, de acordo com Alexandre Rollo. “O Congresso Nacional tem uma bancada conservadora, o Bolsonaro elegeu uma bancada grande no Congresso e sem dúvida nenhuma em uma eventual inelegibilidade, mais uma do Bolsonaro e também dos seus filhos por conta de fake news, pode sim repercutir lá no Congresso para um projeto de lei que fala em regulamentação da internet”, ressalta.

Acácio Miranda, por sua vez, é até mais pessimista, por enxergar reticências do próprio campo progressista. “Uma janela de oportunidade se abre, mas não me parece o Congresso Nacional como um todo, e aí não digo só da bancada da direita, a da esquerda também, não tem interesse na regulamentação dessas circunstâncias porque eles têm medo de também serem atingidas. A discussão existe, é necessária, mas confesso que não vejo com bons olhos uma resolução disso por parte do Congresso”, conclui.

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