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'Epitáfio: ela nunca foi um bom exemplo, mas era gente boa', escreveu a própria Rita (Foto: Divulgação)'Epitáfio: ela nunca foi um bom exemplo, mas era gente boa', escreveu a própria Rita (Foto: Divulgação)

Rainha do Rock faleceu na última terça-feira após lutar contra um câncer no pulmão

A esta altura, desde que já perdemos Elis, Tom, Raul, Gonzagão, Cazuza, Renato, Chico Science, Belchior, Gal e Erasmo, já poderíamos estar mais conformados com o fato de que os deuses da nossa música são seres humanos e, portanto, só são eternos em termos artísticos – as obras, essas sim, são eternas. Mas, não dá. A perda de Rita Lee, anunciada na manhã de ontem pela família, é um baque tão poderoso quanto o de qualquer um dos outros citados acima.

Nossa eterna Rainha do Rock morreu na noite de terça-feira, em casa, rodeada pela família, aos 75 anos. A causa foi um câncer de pulmão, contra o qual ela lutava desde 2021 – o mesmo que, em um tuíte, apelidou de “Jair”. Rita, como se sabe, não perdia uma chance de zombar de quem merece.

Filha de um dentista, descendente de imigrantes norte-americanos confederados, derrotados na Guerra da Secessão que se estabeleceram em Santa Bárbara d’Oeste (SP), Rita, 19 anos,  tinha passado por alguns grupos vocais e até mesmo gravado um compacto com a banda Os Seis.

Três membros do sexteto saíram, deixando Rita e os irmãos Arnaldo Baptista e Sérgio Dias, que resolveram seguir em frente sob o nome Os Mutantes, uma sugestão de Ronnie Von.

Começou aí a revolucionária trajetória que a coroaria como a Rainha do Rock Brasileiro. Com Os Mutantes, Rita participou do primeiro grande momento artístico, quando a banda se associou ao movimento da Tropicália, junto a Caetano Veloso, Gilbero Gil, Tom Zé, Rogério Duprat etc.

Turbinada por muita loucura, pretensão artística e experimentação com alucinógenos, a relação de Rita com os irmãos – com o agravante de ter se casado com Arnaldo – acabou por se deteriorar, especialmente quando o núcleo masculino da banda resolveu trilhar pelos caminhos do rock progressivo virtuoso. Como Rita não era considerada uma instrumentista virtuosa, foi praticamente chutada do grupo, uma mágoa que ela nunca superou – com todo direito.

Resultado: sem Rita, Os Mutantes perderam o humor, a leveza e a relevância artística, enquanto a carreira solo da cantora, mesmo que tenha demorado um pouco de engrenar, foi ainda mais bem sucedida e brilhante do que a dos Mutantes – com ou sem ela.

O segundo auge da carreira de Rita se deu em 1975, quando ela lançou Fruto Proibido, o primeiro álbum (de três) acompanhada da banda Tutti Frutti. Sem favor algum um dos melhores discos brasileiros de todos os tempos, Fruto traz alguns hits imortais: Agora Só Falta Você (de Luis Sérgio Carlini e Rita Lee), Esse Tal de Roque Enrow (Paulo Coelho e Rita Lee) e  Ovelha Negra (Rita Lee). A qualidade geral deste álbum – composições, produção, arranjos, gravação, instrumentação – estabeleceu um padrão sonoro praticamente inalcançável, tornando este um disco de cabeceira para gerações de apreciadores de rock – no Brasil e também fora dele.

Fase Rita & Roberto

O terceiro grande momento de auge de Rita foi mais definitivo, lucrativo e duradouro. Após se conhecerem e se apaixonarem durante um jantar na casa de Ney Matogrosso, de quem era guitarrista, Roberto de Carvalho e Rita iniciaram uma parceria artística e amorosa que durou até o fim da vida da cantora.

Entre 1979 e 1983, Rita e Roberto lançaram uma sequência de cinco discos que remodelaram a música pop brasileira, vendendo milhões de exemplares e varrendo as rádios com hits eternos, como Chega Mais, Doce Vampiro, Mania de Você, Lança Perfume, Nem Luxo Nem Lixo, Caso Sério, Saúde, Banho de Espuma, Atlântida, Flagra, Cor-de-Rosa Choque, On the Rocks, Desculpe o Auê e outras.

Um arraso pop rock, urdido segundo a nova estética das rádios FM (então recém-estabelecidas no Brasil), com um som mais límpido e claro, cortesia de gênios brasileiros da produção, sintonizados no que havia de mais moderno à época, como Guto Graça Mello e Max Pierre – assessorados por Lincoln Olivetti (que pilotava os teclados e sintetizadores).

O sucesso “arrombou a festa”, turbinado por especiais de fim de ano na Globo e estádios lotados. Muito provavelmente, foi o momento de maior popularidade de Rita – ainda que, após esta fase, ela jamais deixou de ser popular.

Dali em diante, todos os caminhos se abriram para Rita Lee, e ela nunca mais deixou de ser a Rainha do Rock. Ao ser “esquecida” na escalação para o primeiro Rock in Rio (1985), uma campanha nacional foi encampada entre fãs e veículos de comunicação, até que ela foi anunciada como atração.

Rita Lee atuou como atriz em filmes e novelas, apresentou programas de TV, escreveu livros, gravou um álbum com Gilberto Gil (Refestança, 1977), introduziu a bossa nova em sua música no álbum Bossa ‘n’ Roll (1991), com imenso sucesso, e fez outro só de canções dos Beatles (Aqui, Ali, em Qualquer Lugar, 2001).

O último álbum, Reza, saiu em 2012, mesmo ano em que anunciou a aposentadoria e fez o último show – curiosamente, em Aracaju, de graça, na praia.

Não deu certo. Indignada com a truculência da PM sergipana, que dava baculejos a torto e a direito em busca de míseros baseados na multidão, fez o que uma legítima Rainha do Rock faria: desacatou as “otoridades” com muitos palavrões. Foi presa e só liberada na manhã seguinte.

Desde então, recolheu-se em um sítio no interior paulista e dedicou-se a escrever livros. Em 2021, anunciou o tratamento contra um câncer de pulmão que veio reclamar sua vida na noite de anteontem.

Alicerce do rock

Ainda ontem, muitos artistas, autoridades e personalidades externaram  pesar com a perda de Rita.

O ex-parceiro de Tutti-Frutti, o guitar hero Luiz Carlini, lamentou: “Ela, junto com o Erasmo Carlos e Raul Seixas, formam o alicerce do rock brasileiro. Eu tive a honra de trabalhar com a Rita. Tive a honra de fazer seis discos com a Rita. Um dos melhores discos do rock brasileiro é o Fruto Proibido, um disco que marcou muito a carreira dela com o Tutti Frutti. Foi com o Tutti Frutti que ela foi eleita a Rainha do Rock. Eu sinto muito, estou muito abalado com essa perda”, disse.

“A maior obra de Rita Lee chama-se Ovelha Negra, que é a cara dela. E é uma música que eu participo com um solo que ficou muito famoso. Eu estou muito emocionado e agradeço a Deus e à Rita por eu ter conseguido fazer tudo isso. Vá com Deus”, acrescentou.

Outro parceiro, Gilberto Gil deixou mensagem nas redes sociais: “Comadre Rita, Anibal, cabrinha, caprichosa, capricorniana, amiga... Descansa, minha irmã. Amo você. Abraço fraterno da família Gil nos meninos Roberto, Beto, João e Antônio, nos familiares, amigos e fãs, assim como eu”.

“Rita Lee nos presenteou com canções que vão ficar pra sempre no imaginário de todos os brasileiros. Todo carinho aos filhos, família, amigos e fãs da grande rainha do rock brasileiro. Viva Rita Lee!”, escreveu Djavan nas redes sociais.

Autor de um livro sobre a cantora (Rita Lee: O Futuro Me Absolve, editora Nova Sampa, 1995), Ayrton Mugnaini, uma referência do jornalismo musical brasileiro, destaca que “Rita foi compositora versátil e criativa, além do rock. Já nos Mutantes ela trazia influências de samba, música caipira e outros gêneros não roqueiros. E ela compôs e/ou gravou foxtrote (Só de Você), samba-choro (Avenida Paulista) e marchinhas (Fonte da Juventude), além de diversificar em parcerias com Tom Zé, Zélia Duncan, Itamar Assumpção, e, claro, Roberto de Carvalho, bom tecladista e compositor”.

Já a ministra da Cultura, Margareth Menezes, que, surpreendida pela notícia ao vivo, durante audiência na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado Federal, não conseguiu conter o choro, declarou via assessoria que “Rita Lee é uma revolução! Artista de grandeza maior da música brasileira, era enérgica, combativa e vibrante. Adorada por uma legião de fãs de diversas gerações, nos deixa um legado enorme que a faz eterna e fundamental! Meus sentimentos à família, amigos e fãs”.

Aqui na Bahia, o guitarrista Eric Assmar exortou as novas gerações a se aprofundarem na obra da artista: “Deixou um legado com uma discografia sólida, muita coisa de grande relevância para a cultura brasileira de um modo geral. Uma discografia riquíssima, tanto na época dos Mutantes, quanto com o Tutti Frutti, quanto em carreira solo, já com o Roberto de Carvalho. Trabalhos de produção impecável. Uma discografia muito rica e que eu deixo a dica para todo mundo que nos lê. Busquem conhecer a discografia de Rita Lee, busquem conhecer a obra”.

“Em 82, meus pais ouviam o álbum Lança Perfume em casa e eu, com apenas quatro anos, pedia as canções do LP sem parar e dançava rodopiando ao som daquelas músicas potentes e os arranjos do Lincoln Ollivetti. A partir daí se tornou uma musa inspiradora pra mim. O Brasil fica mais careta sem a nossa Rita. Precisamos honrá-la, como ela influenciou gerações, com um feminino cada vez mais potente e libertário”, disse a atriz e cantora Emanuelle Araújo.

Com fama internacional graças ao culto a’Os Mutantes no exterior, Rita foi notícia em todos os grandes jornais e revistas musicais ontem, como The Guardian, Pitchfork, BBC, jornal Público (Portugal), Agência France Presse, El Clarín (Argentina) e muitos outros veículos que  noticiaram a partida de nossa Titia Rita.

Que descanse em paz. Ou mesmo fazendo muito barulho no céu – ela pode!

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