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Fornecimento de trigo vindo da Rússia e da Ucrânia representa quase 30% do comércio mundial da commodity (Foto: REUTERS/Vincent Mundy)Fornecimento de trigo vindo da Rússia e da Ucrânia representa quase 30% do comércio mundial da commodity (Foto: REUTERS/Vincent Mundy)

Aumentos nos níveis de preços dos alimentos e volatilidade dos mercados internacionais reforçam alerta

O presidente-executivo da fabricante norueguesa de fertilizantes Yara International, Svein Tore Holsether, diz que o mundo está a caminhar para uma crise alimentar, que poderá afetar milhões de pessoas.

Os elevados preços a níveis recorde do gás natural obrigaram a empresa que ele gere a reduzir a produção de amoníaco e ureia na Europa para 45% da capacidade. Com uma menor quantidade desses dois ingredientes agrícolas essenciais, ele prevê que haja repercussões no fornecimento global de alimentos.

“A questão não é se vamos ter uma crise alimentar. Mas sim qual será a dimensão dessa crise”, disse Holsether à CNN Business.

Duas semanas após a invasão da Ucrânia pela Rússia, os preços dos principais produtos agrícolas produzidos na região dispararam. O maior problema é o trigo, um produto básico na despensa. Os fornecimentos provenientes da Rússia e da Ucrânia que, no seu conjunto, representam quase 30% do comércio mundial de trigo, estão agora em risco. Os preços globais do trigo atingiram um máximo histórico no início desta semana.

Outro grande problema é o acesso aos fertilizantes. Essencial para os agricultores atingirem as suas metas de produção, ele nunca esteve tão caro, já que as exportações da Rússia pararam. A produção na Europa também caiu, graças ao aumento do preço do gás natural, um ingrediente-chave em fertilizantes à base de nitrogénio como a ureia.

Esta situação está a fazer soar alarmes para os especialistas em saúde global. O preço do milho, soja e óleos vegetais também tem subido.

Os ministros da Agricultura dos países do G7 disseram, na sexta-feira (11), que “continuam determinados a fazer o que for necessário para prevenir e responder a uma crise alimentar”.

Mas, temendo a escassez, os países já estão se voltando para dentro de si mesmos, o que poderia em última análise, deixar menos alimentos para aqueles que precisam.

O Egito acabou de proibir a exportação de trigo, farinha, lentilhas e feijão, na sequência das crescentes preocupações sobre as reservas de alimentos no estado mais populoso dos países árabes.

A Indonésia também reforçou as restrições à exportação de óleo de palma, que é um componente do óleo de cozinha, bem como de cosméticos e de alguns produtos embalados, como o chocolate. É o maior produtor mundial deste produto.

Os ministros do G7 apelaram aos países para que “mantivessem os seus mercados alimentares e agrícolas abertos e que se protejam contra quaisquer medidas restritivas injustificadas às suas exportações”.

“Qualquer aumento adicional aos níveis de preços dos alimentos e qualquer volatilidade dos mercados internacionais podem ameaçar a segurança alimentar e a nutrição em escala global, sobretudo entre os mais vulneráveis, que vivem em ambientes de baixa segurança alimentar”, disseram eles num comunicado.

Os países ocidentais com mais acesso à agricultura também serão prejudicados. Os consumidores já foram afetados pelos preços mais elevados e a situação está prestes a agravar-se ainda mais.

Rússia, Ucrânia e abastecimento alimentar global

Mesmo antes de a Rússia ter lançado a invasão contra a Ucrânia, o sistema alimentar global estava sob pressão. As cadeias de abastecimento desestruturadas e padrões climáticos imprevisíveis — muitas vezes, resultado das alterações climáticas — já tinham levado os preços dos alimentos ao seu nível mais alto em cerca de uma década. A capacidade aquisitiva também era um problema, depois de a pandemia ter deixado milhões de pessoas desempregadas.

O número de pessoas à beira da fome disparou de 27 para 44 milhões, em 2019, segundo o Programa Alimentar Mundial da ONU. O conflito entre a Rússia e a Ucrânia, que desempenham papéis cruciais no sistema cuidadosamente calibrado de produção global de alimentos, irá agravar a situação.

Os preços globais do trigo caíram de máximos recordes nos últimos dias, mas permanecem elevados. E devem permanecer assim por algum tempo, de acordo com o analista de commodities do Rabobank Carlos Mera.

A época de sementeira de trigo, que está prestes a começar na Ucrânia, será interrompida pela guerra. Não se sabe se haverá agricultores suficientes para cultivar a terra, à medida que a população do país pega em armas, ou se terão acesso a máquinas e outros produtos essenciais, que normalmente chegariam através dos portos do Mar Negro.

“Ninguém sabe se a Ucrânia conseguirá exportar algum produto até ao fim do ano, no próximo ano ou num futuro próximo”, disse Mera. O país também é responsável por metade de todas as exportações de óleo de girassol.

Também se tornou mais difícil colocar produtos da Rússia no mercado mundial, porque as empresas não querem correr o risco de desobedecer às sanções ou ter de tratar da logística de viajar para uma zona de guerra.

A Rússia e a Ucrânia servem como “celeiro” para os países do Médio Oriente, do Sul da Ásia e da África Subsaariana, que dependem das importações. Muitos serão duramente afetados, em consequência.

“Qualquer perturbação grave da produção e das exportações desses fornecedores irá, sem dúvida, aumentar ainda mais os preços e pôr em risco a segurança alimentar de milhões de pessoas”, segundo um relatório recente do Sistema de Informação de Mercados Agrícolas.

Aumentam os custos dos fertilizantes

A crise latente vai além do trigo e dos óleos. A Rússia, juntamente com o seu aliado, a Bielorrússia, é também um grande exportador dos fertilizantes necessários para plantar uma ampla gama de culturas. Mas neste momento, todos rejeitam as suas ações.

“Agora, ninguém quer tocar num produto russo”, disse Deepika Thapliyal, especialista em fertilizantes na Independent Commodity Intelligence Services. “Neste momento, tanto vendedores como compradores estão muito assustados.”

O preço do gás natural está a agravar o problema. Os produtores de fertilizantes fora da Rússia e da Bielorrússia precisam de gás para fazer produtos à base de nitrogénio, como a ureia, que é usada em culturas para aumentar a produtividade e para lhes conferir uma cor mais verde.

Mas Holsether, presidente executivo da Yara, disse que os custos ficaram demasiado elevados para manter as operações em funcionamento a grande escala. Ele não sabe ao certo quando é que a produção europeia estará em plena capacidade novamente.

“Uma grande parte da indústria corre o risco de não ser capaz de entregar produtos aos agricultores, e isso terá um impacto sobre a produção das culturas muito rapidamente”, afirmou.

Os agricultores têm agora o incentivo para pagar o que precisam para obter fertilizantes, uma vez que os preços dos seus produtos também estão a subir. No entanto, nem todos têm essa opção.

A ureia tem sido vendida a cerca de € 900 por tonelada métrica, cerca do quádruplo do preço no início de 2021, de acordo com Chris Lawson, responsável pela área de fertilizantes no CRU Group, uma empresa de informações de mercado.

Os países sem produção nacional de fertilizantes também podem ter dificuldades de acesso, o que terá graves consequências para o sistema alimentar global.

“Não podemos cultivar campos gigantescos de trigo, cevada ou soja sem fertilizante”, disse Johanna Mendelson Forman, professora da American University, especializada em guerra e alimentos. Os agricultores do México, Colômbia e Brasil já estão preocupados com a escassez, acrescentou.
As consequências

Os ministros da Agricultura do G7 disseram na sexta-feira que os seus países disponibilizariam a ajuda humanitária que pudessem, para mitigar as consequências da guerra. Mas também eles se veem de mãos atadas, devido à escassez de abastecimentos e ao aumento dos preços.

“Se os campos ucranianos ficarem em repouso este ano, as organizações de ajuda humanitária como a nossa, serão obrigadas a abastecer novos mercados para compensar a perda de um dos melhores trigos do mundo”, disse David Beasley, diretor executivo do Programa Alimentar Mundial, num artigo publicado no Washington Post esta semana. “Fazer isso implicará um custo altamente inflacionado.”

Beasley disse que o trigo ucraniano também tem sido essencial para alimentar populações noutros países em conflito, como o Afeganistão, o Sudão e o Iémen.

“A maior parte do trigo é usada para consumo humano, e isso é insubstituível”, disse Mera, do Rabobank.

No entanto, mesmo os países desenvolvidos sentirão os efeitos de uma crise alimentar. A acessibilidade dos preços dos alimentos é um problema para todos os consumidores com baixos rendimentos, enfatizou Mendelson Forman.

“Estamos habituados a um sistema globalizado de comércio para obter todos o tipo de variedades de alimentos”, disse ela. “As pessoas vão notar a diferença na carteira e nas mercearias.”

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