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Delmo de Oliveira, 51 anos, é um pessoa cansada, os olhos não mentem. O encarregado de montagem industrial é último resistente da Vila Autódromo, comunidade pobre que surgiu junto com o Autódromo de Jacarepaguá, destruído para a construção do Parque Olímpico do Rio 2016. Nas paredes de fora sua casa, o terceiro andar de uma construção meio improvisada onde ainda mora a sobrinha Luiza, 24 anos, mensagens avisam que ali há luta. Há bravura. Há resistência.

A casa de Delmo se destaca logo numa espécie de ilha à frente da entrada do Parque Olímpico. Não à toa, diversas equipes de jornalistas do mundo todo já o visitaram nos últimos dias. O CORREIO virou até tradutor para uma equipe de estonianos. “Estou assim, doente, mas cada vitória dá um gás. Quando falta o gás, uso a raiva”, diz Delmo.

Segundo ele, há mais de 30 anos, o governo municipal tenta remover as famílias da Vila Autódromo. Para ele, o motivo é simples: especulação imobiliária. “E uma limpeza social e étnica”, garante. Nas paredes do térreo, onde viviam o irmão e a mãe, uma palavra define: apartheid. “Gosto muito daqui, mas não é o lugar que me prende não”, garante, apesar da bela vista de sua sacada. “O que me prende é que tenho conhecimento dos meus direitos. É o que me difere de um cachorro escorraçado”.

Ainda nos anos 80, Delmo recebeu dois títulos de posse da sua casa. É a força jurídica dessa documentação que o mantém longe dos tratores. Um dia antes do CORREIO conversar com ele, retroescavadeiras destruíram outras duas casas. “Já botamos fogo em mais de dez tratores”, conta, orgulhoso. A última vitória foi um mandado de segurança emitido pela Justiça que proibiu a prefeitura de tocar em sua residência. Mas não é por falta de tentativa.

“Uma vez por semana, cortam minha luz. A cada dois dias, cortam minha água. Já derrubaram 12 postes ‘sem querer’ por aqui. Mas não derrubaram nenhum no Parque Olímpico. Nunca fizeram nenhum tipo de saneamento básico. A gente mesmo que fez”, diz. Delmo afirma que não recebeu ameaças de morte, mas que, há quatro meses, foi atropelado por um guarda municipal propositadamente. “Dei queixa na delegacia, mas não vai dar em nada”.

Negociação

Devido aos títulos de posse, a prefeitura do Rio não pode, simplesmente, derrubar sua casa. É preciso negociar. E Delmo não quer negociar, ao contrário dos outros mais de 700 moradores que haviam na Vila Autódromo.

Muitos foram para ali perto na Estrada dos Bandeirantes. Outros receberam dinheiro. Jade,  18 anos, sobrinho de Delmo, foi um dos últimos a aceitar. Depois de tentar negociar e sem conseguir levar todo mundo para longe dali, a prefeitura construiu 20 pequenas casas bem perto da casa do encarregado, na mesma “ilha”. Pintadas de branca e iguais, passam despercebidas.

“Era para todo mundo lutar junto, havia um pacto. Mas foram cedendo e ficaram apenas 50 famílias. Me mudei sexta”, conta Jade. Foi uma casa pela outra. “Nossa luta era pela urbanização. Continua. A única coisa que mudou foi o local da minha casa”, garante, de cima de um coqueiro onde pegava cocos. Ele mora com a irmã Flora,  15 anos.

Delmo acha que o caminho de Jade abre precedente para a prefeitura. “Se eu me permitir ir pra lá, eles vão retirar todo mundo. Aqui, eu tenho dois títulos estaduais. Lá fico com um municipal”. O sobrinho tem consciência. Perguntado se não achava que, em breve, seria removido na nova casa, respondeu: “Com certeza”. O jovem ignora a realização dos Jogos Olímpicos. “Não tenho motivação alguma para ver”.

Já o tio irá acompanhar a cerimônia de abertura da janela de sua casa ao lado de equipes de jornalismo da Itália e da Alemanha, firme, como tem sido há quase 30 anos. Lutou contra a ditadura, a favor das Diretas Já, contra a inflação. “Todas pareciam lutas impossíveis. Nunca fui líder, mas conheço meus direitos”.

 

 

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