Apesar de ofício da Procuradoria do Município, bens estão sendo bloqueados e penhorados
Uma série de decisões do juizado de Camaçari, está deixando moradores de um loteamento indignados. Juízes estão determinando o bloqueio e a penhora de bens para pagar dívidas condominiais, mesmo após uma decisão do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), um ofício da Procuradoria do Município e um parecer do Ministério Público reconhecerem a inexistência do condomínio.
O decreto que criou o Loteamento Vale da Landirana, em Barra do Jacuípe, foi assinado em 16 de julho de 1980 pelo então prefeito Humberto Henrique Garcia Ellery. O documento distribuiu 839 mil metros quadrados em lotes residenciais, comerciais e de turismo, além de área verde. Dois anos depois, João* comprou o primeiro lote no terreno.
“Não existia nada. Era um espaço vazio em que fomos construindo com o passar dos anos. Eu acabei comprando outros lotes que depois revendi. A região não tinha nenhuma infraestrutura. Alguns anos depois, os moradores se organizaram e resolveram cobrar uma taxa para cuidar do local, como se fosse um condomínio, e eu confesso que não vi problema”, contou.
Assim surgiu o Condomínio Planeta Água. No começo as coisas andaram bem, mas com o tempo João mudou de ideia. “Fui assaltado cinco vezes dentro do condomínio e quando fui questionar a falta de segurança, me disseram que esse era um problema da polícia. Parei de pagar a taxa”, disse.
O advogado Igor Freire representa uma moradora que está sendo processada. A mulher comprou um lote, mas ainda não fez construções no local. Em 2015, ela parou de pagar o suposto condomínio e, três anos depois, foi acionada judicialmente. Somada a dívida mais os encargos o valor devido é de quase R$ 29 mil, e a justiça determinou o bloqueio das contas dela para o pagamento.
“Existe uma Ação Civil Pública questionando a legalidade desse condomínio, um ofício da prefeitura e um parecer do Ministério Público reconhecendo que o local não é um condomínio, mas curiosamente o juizado de Camaçari tem passado por cima de tudo e dado prosseguimento a execução. Entrei com um mandado de segurança”, explicou.
Ela não foi a única. A administração do Planeta Água processou outros moradores que não pagaram a taxa, atualmente em R$ 350, e esse ano já foram autorizadas pela justiça três penhoras de bens em julho, agosto e dezembro. Antônio* descobriu que R$ 6 mil tinham sido penhorados da conta do falecido pai dele através de um amigo.
“O dinheiro foi retirado de uma conta que a gente nem sabia que meu pai tinha, por conta de um lote que ele já tinha vendido há anos, mas não fez a mudança de nome. A gente sequer foi intimado. Procuramos o juizado, levamos toda a documentação e a juíza que emitiu a ordem fez uma retratação mandando o condomínio devolver o dinheiro. Isso nunca aconteceu”, contou.
Disputa
A queda de braço envolvendo a tarifa condominial é antiga. Em novembro de 2016, moradores entraram com uma Ação Civil Pública questionando a legalidade do condomínio e a cobrança da tarifa. Em agosto de 2019, uma decisão de um juiz da Quinta Turma Recursal do TJBA reconheceu a ilegalidade.
“Diante de tantos argumentos e provas desfavoráveis ao condomínio autor, resta patentemente verificada a ilegalidade ativa do mesmo, posto que houve o desmembramento, há certidão da prefeitura informando a inexistência do condomínio nos moldes pretendidos pela parte autora, além de não ser o mesmo, nem ao menos responsável pela manutenção das vias internas ao loteamento. Evidenciada, portanto, a ilegalidade da parte autora”, diz a sentença.
Uma nova Ação Civil Pública foi iniciada em novembro do mesmo ano por outros moradores insatisfeitos com a cobrança. Em agosto de 2021, a Procuradoria de Camaçari emitiu um ofício ratificando que o local é um loteamento em área pública estabelecido por decreto, em 1980, e não pode ser considerado um condomínio.
Por conta desses documentos, em junho deste ano, outra penhora de bens em razão de supostas dívidas condominiais foi suspensa. Os moradores disseram que o caminhar dos processos têm dependido mais do juiz do que das provas. “Alguns juízes suspendem o processo ao ver a documentação e outros levam adiante. Como é que eu posso ser cobrado por uma dívida com um condomínio inexistente?”, desabafou.
O Ministério Público e a Prefeitura de Camaçari foram procurados para comentar o caso, mas não se manifestaram. Já o Tribunal de Justiça da Bahia informou que não teve tempo hábil para elaborar uma resposta.
Outras ocorrências
O Condomínio Planeta Água tem registro de casos de violência e acusações de racismo. Em agosto do ano passado, uma corretora de imóveis que mora no loteamento procurou a polícia e registrou uma queixa contra funcionários do condomínio.
A filha dela, uma mulher negra de 28 anos, foi impedida de entrar no local, mesmo após a mãe, uma mulher branca, autorizar a entrada. Segundo as vítimas, os funcionários não acreditaram no parentesco. Na época, o síndico negou que eles tenham cometido racismo e disse que a entrada não foi autorizada porque a jovem estava sem documento de identidade.
Em 2015, um empresário de 69 anos foi assassinado durante uma briga entre ciganos dentro do loteamento. A vítima estava passando uns dias na casa de um amigo e tinha terminado de entrar no carro com a família quando os ciganos se desentenderam. Houve tiros, o empresário foi baleado e morreu.
A reportagem tentou contatar o síndico do Condomínio Planeta Água, primeiro, falando com um homem identificado como Laerte, que afirmou não estar mais no cargo. O ex-síndico então informou o contato do novo gestor do empreendimento, identificado como Oscar. Este, no entanto, se negou a comentar o caso e desmentiu ser o administrador do condomínio.
Também procurada, a prefeitura de Camaçari informou à reportagem que não poderia se posicionar a tempo do fechamento desta matéria.
*Usamos nomes fictícios para preservar a identidade dos moradores.
Clique aqui e siga-nos no Facebook
< Anterior | Próximo > |
---|