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Pescadora e Marisqueira, Cleidiane Portugal sofreu queimaduras entre os dedos dos pés (Foto: Acervo pessoal/Reprodução)Pescadora e Marisqueira, Cleidiane Portugal sofreu queimaduras entre os dedos dos pés (Foto: Acervo pessoal/Reprodução)

Pescador ainda perdeu o cavalo, que morreu depois de ter bebido água do rio

Pessoas vêm apresentando, desde o último fim de semana, reações após terem contato com uma substância esverdeada encontrada na praia de Barra do Jacuípe, em Camaçari. “Eu tô cheia de buracos nos pés, febre de 39,6 ºC, com ânsia de vômito...”, conta a pescadora e marisqueira Cleidiane Portugal, 35 anos, mais conhecida como Kél Pescadora. Segundo ela, quando entrou no Rio Jacuípe — que se encontra com o mar —, de madrugada, não conseguia ver a coloração diferente.

Moradores fizeram contato com a Coordenadoria de Proteção e Defesa Civil de Camaçari (Compdec) para relatar o surgimento da substância, que tem forte odor. “É um cheiro de um produto químico horrível. As pessoas estão passando mal, sentindo enjoos”, descreve a assistente social Gil Tavares, 51, dona de uma casa em Barra do Jacuípe. “No primeiro dia [que ela viu a substância, sábado, 12], eu fui tentar limpar a praia, e minha mão começou a coçar. Aí, desisti”, afirma Gil. "De ontem [anteontem, 14] pra hoje [ontem, 15], os siris estão morrendo", acrescenta ela.

Para a família da marisqueira Adriana Freitas, 34, o contato com o resíduo misterioso trouxe consequências ainda maiores: além de seu esposo, o pescador Felipe Couto, 32, ter passado mal, seu cavalo, que ele tinha levado para beber água, morreu no domingo (13), um dia depois. Apesar de não saber se a morte tem relação com a substância esverdeada, Adriana conta que o animal também teve diarreia.

Felipe começou a apresentar reações ainda de madrugada. “Diarreia, dor de cabeça, febre de 39 ºC e dor no estômago”, relata os sintomas apresentados por seu esposo, que chegou a recorrer a uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). “Lá, tomou a medicação e mandaram ele pra casa”, relembra Adriana, que acompanha a recuperação de Felipe.

Quem passa pela praia de Barra do Jacuípe já pode encontrar siris mortos (Foto: Arisson Marinho/Correio)Quem passa pela praia de Barra do Jacuípe já pode encontrar siris mortos (Foto: Arisson Marinho/Correio)

O material, ainda não identificado, também foi visto em alguns pontos da praia de Jauá. “Os dois salva-vidas na praia disseram que faz uns 15 dias que essas manchas verdes aparecem”, revela a relações-públicas Adriana Oliveira, 50, que esteve no local durante o sábado (12). Porém, de acordo com o diretor da Compdec, Ivanaldo Soares, a substância chegou às duas praias há menos tempo, cerca de quatro dias, e já não se faz presente em Jauá.

“A maré alta levou. Mas a gente fez coleta lá em Jauá e em Barra do Jacuípe. Inclusive, fizemos coleta de material sólido e, também, na água”, informa Soares. Além da Defesa Civil, estiveram nas praias técnicos da empresa de soluções ambientais Cetrel, que colheram o material para que fosse encaminhado ao laboratório. “Pode ser material orgânico, mas pode ser químico também. Estamos esperando essa análise feita pela Cetrel”, diz.

O diretor da Compdec, no entanto, descarta a possibilidade de vazamento provocado pela empresa. “O sistema deles não libera [substância]. Não houve nenhuma manobra nesse sentido, e ela [a Cetrel] está dando a maior força, para a gente saber realmente que espécie de produto é esse”, garante ele. “O resultado da avaliação, quando concluído, será comunicado ao órgão municipal”, esclareceu a Cetrel por meio de nota.

Durante a apuração, houve informações de que a produtora de pigmento de titânio verticalmente integrado Tronox poderia ser a responsável pelo resíduo. Procurada pela reportagem, respondeu por nota que: "Não houve ou há qualquer alteração no processo da fábrica e todos os nossos sistemas de proteção ambiental funcionam normalmente. Acreditamos que a melhor fonte para explicar o fenômeno são os órgãos oficiais, como o Inema".

Alerta


Diante da ocorrência, a Defesa Civil do município passou a alertar os moradores, visitantes e turistas para que redobrem a atenção ao ver as manchas e não se aproximem, evitando entrar na água e, consequentemente, ter contato com o resíduo. A medida é indicada até que seja verificada sua procedência. “Se for algo que seja um produto químico, vamos tentar descobrir de onde está vindo. E se tiver que partir para uma interdição, nós vamos fazê-la”, assegura Soares.

Informado do ocorrido pela Compdec, o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) não atendeu à solicitação da reportagem. Conforme a Defesa Civil, todos os colaboradores em plantão monitoram a situação. Caso as pessoas percebam "algo diferente do convencional", devem entrar em contato com o órgão, por meio do telefone gratuito 199. Também estão à disposição durante 24 horas os telefones (71) 99981 3641 e 99922-3433.

Ao Correio a professora do Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia (Igeo/Ufba) Olívia Oliveira, uma das coordenadoras do projeto Rebicop — voltado, desde 2019, à pesquisa sobre as manchas de óleo no litoral brasileiro —, afirmou que, em conversa com colegas, todos consentiram que, para dar um diagnóstico, é necessário visitar os locais atingidos pela substância esverdeada. Olívia sugeriu que a reportagem procurasse o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que não nos respondeu até o fechamento da matéria.

Trabalhadores já vinham sofrendo com a poluição do rio


Kél Pescadora relata que já tinha contraído outros problemas de saúde por causa das condições em que se encontra a água do Rio Jacuípe. “Com esse produto, ela só piorou mais. Mas a gente já pegou fungos, bicho geográfico, verme...”, lista os casos. Mãe solo de uma criança de 7 anos com esquizofrenia, Kél tem a pesca como sua única fonte de renda. “O único vínculo que eu tenho é o rio, e agora estou desabrigada. Não sei nem como, a partir de hoje, eu vou me alimentar”, protesta a pescadora e marisqueira.

Embora crie seus dois filhos, de 6 e 14 anos, com seu esposo, Adriana Freitas também tem lutado para sobreviver. Segundo a marisqueira, eles não vão ao mar em busca de sustento há mais de seis meses. “A gente tá mesmo sob a graça de Jesus”, confessa Adriana, que salienta que o rio não apresenta o mesmo aspecto de outrora. “Os bichos, também, infelizmente, tudo magro. [...] A gente não ia pescar os animais assim. Não vai servir de nada. Aí, a gente acaba devolvendo [para o mar]”, desabafa a marisqueira.

De acordo com o que o esposo de Adriana contou a ela, a coloração da água em Barra do Jacuípe, assim como o relatado por salva-vidas em Jauá, começou a mudar há, aproximadamente, 15 dias. Eles chegaram a desconfiar de que os frequentadores do local fossem os culpados pelo aparecimento da substância esverdeada.

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