Galeria de Fotos

Não perca!!

Bahia

A vigilância divina é sempre bem-vinda. Mas, em muitas das igrejas de Salvador, não basta. Aos olhos de Deus, juntam-se, em pelo menos 11 igrejas da cidade, câmeras, alarmes e até vigilantes. À esquerda da mesa onde se senta o prior da Igreja do Carmo, no Centro Histórico, a tela de uma TV mostra, alternadamente, imagens de 20 câmeras instaladas na edificação do século XVII há menos de três anos. “Há seis anos aqui teve um desvio de peças. Levaram, sem autorização, dizendo que iam restaurar e nunca mais apareceram”, explica o atual prior, Osvaldo Martins dos Santos.

Apesar de ter prestado queixa à Polícia Civil e à Polícia Federal assim que assumiu o cargo, há três anos, ele disse não ter mais esperanças de encontrá-las. “Se a gente soubesse onde estão, era fácil, mas não sabemos. Levaram até seis castiçais de prata que ficavam num lugar reservado. Já viu restaurar castiçal de prata? Nem eu”, lamenta.

Entre castiçais, imagens sacras, cruzes e mochos, mesas, cadeiras e até um relógio, foram 40 peças do acervo da igreja, que é tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1938. Atualmente, o Iphan procura por 1.644 peças integrantes de acervos tombados em todo o Brasil. Somente em Salvador, são 144 itens buscados – e só um foi encontrado. O número, no entanto, não é dos mais precisos. Segundo o Iphan, nem todos os templos mantinham inventários de seu acervo.

Tendência
A Igreja do Carmo não foi a única a investir em segurança eletrônica. O CORREIO encontrou pelo menos dez igrejas em que câmeras já foram instaladas. Na Igreja do Pilar, no Comércio, a irmandade local aguarda ansiosamente pela instalação – hoje, já funcionam alarmes. Em 1986, três peças foram levadas, duas de ouro. A Arquidiocese de Salvador informou que “tem envidado esforços, junto com irmandades e paróquias, para proteger seus patrimônios, por meio de vigilância eletrônica ou patrimonial, quando possível com a contratação de funcionário”. No entanto, não disse quanto investiu.

Em alguns templos, o investimento surgiu após peças sumirem. Segundo Denilson Santos, administrador da Irmandade da Ordem Terceira de São Domingos Gusmão – entregue restaurada anteontem, oito câmeras funcionavam no local antes da restauração, mas algumas foram retiradas durante a obra. “Mas a partir de segunda-feira (amanhã), estaremos voltando e vamos reorganizar e instalar as câmeras”, garantiu. Atualmente, são três câmeras na fachada e uma na parte interna.

Clamor digital
Apesar das câmeras, a igreja teve peças roubadas. Entre os itens que sumiram, oito imagens de apóstolos: só restaram os quatro evangelistas. “Fizemos cerca de mil peças em resina para colocar onde as peças sumiram”, diz o restaurador Júlio Maia, responsável pela obra. No altar, a equipe optou por não pintar a parede onde ficavam duas imagens. “É uma forma de mostrar que tem algo faltando aqui. Se eu passasse a tinta por cima, ninguém saberia”, relata Júlio Maia.

Para prevenir ou remediar, as câmeras ajudam – e muito. “A gente instala câmeras porque essas igrejas aqui do Centro ficam muito vulneráveis. Em 2012, tivemos uma situação e a peça foi devolvida, porque já tinha câmera e nós mandamos o vídeo para a imprensa”, lembra o pároco da Igreja de São Pedro, na Piedade, padre Aderbal Galvão. Na época, junto com a peça devolvida, chegou um cartão do suposto gatuno, em que alegava ter levado a peça “apenas para limpá-la”.

O padre Aderbal também é responsável por outras igrejas da capital. “Todas têm câmeras: aqui, a dos Aflitos, a do Convento da Lapa e a do Rosário dos Pretos”, diz. Mesmo com circuito interno, a Igreja de Nossa Senhora do Convento da Lapa foi invadida e seis peças foram levadas no início do mês. “A gente foi até criticado, porque eu confesso, nunca imaginei que alguém fosse levar o sacrário de prata. Daqui a pouco, vamos ter que colocar uma câmera em cada altar”, declara.

Também segundo a arquidiocese, eventuais arrombamentos, roubos ou furtos de peças são comunicados à polícia. “Além do registro na Polícia Civil, a Arquidiocese aciona a Polícia Federal, no caso de imóvel tombado pelo Iphan, e a Polícia estadual, quando o imóvel é tombado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac)”, diz a Arquidiocese, em nota.

Este ano, a Cúria registrou apenas o arrombamento na Igreja do Convento da Lapa, no último dia 7, quando foram levados quatro castiçais, um ostensório e a porta do sacrário, feita de prata. As peças ainda não foram encontradas. A Arquidiocese não divulgou quantas e quais igrejas já tiveram peças roubadas na cidade.

Prevenção
Mesmo quem nunca teve peças roubadas ou furtadas investe em segurança. “Aqui nunca levaram nada do acervo, mas a gente tem câmeras há 15 anos, por prevenção e para a segurança dos fiéis. Nos dá tranquilidade”, afirma o tesoureiro da Devoção do Senhor do Bonfim, Thomaz Gonçalves, que trabalha na Basílica do Bonfim há 28 anos.

“Aqui, graças a Deus, nunca levaram nada, mas tem casos com fiéis que se distraem e quando veem, já levaram. Tem câmeras na igreja toda. A gente fica preocupado, principalmente nessa época, quando aumenta o fluxo de visitantes e os ladrões aproveitam”, diz a secretária da Irmandade dos Homens Pretos, da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, Cosma Miranda.

Na Conceição da Praia, o esquema de segurança foi além. São seis câmeras, alarmes nas partes interna e externa e dois vigilantes noturnos, além da ajuda da 16ª Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM/Comércio), ao lado da igreja. “A gente se preocupa por causa do nosso acervo. Se essa companhia da polícia sai daqui, ficamos muito vulneráveis”, explica o gerente de manutenção da igreja, José Gonçalves.

Imagens de santos são as mais visadas
De acordo com o restaurador e artista plástico Júlio Maia, as imagens de santos são as mais cobiçadas em roubos de igrejas, pelo valor histórico e material. Das 144 peças procuradas pelo Iphan em Salvador, 15 são imagens. “Essas peças vão para colecionadores, para antiquários. Muitas vezes o antiquário compra e, talvez, não se dê conta que é daqui, mas os donos acabam presos quando alguém denuncia, porque é receptação”, diz.

Segundo ele, peças da Igreja de São Domingos, recém-restaurada, foram encontradas num antiquário em Aracaju (SE). Outras cinco peças do altar-mor da igreja estavam num antiquário em Salvador, quando o caso foi denunciado. De 2012 para cá, a polícia prendeu pelo menos quatro pessoas por roubo de imagens sacras e esculturas pertencentes a igrejas. A única peça resgatada que consta do banco de dados do Iphan é uma caldeirinha de prata de 1725, resgatada em fevereiro de 2015, no Rio de Janeiro.

Segundo a juíza da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Nossa Senhora do Pilar, Josete Batista, um crucifixo de marfim - uma das peças roubadas da Igreja do Pilar em 1986 - foi devolvido depois de ter sido encontrado em um antiquário em São Paulo. “As outras duas peças, um cálice e uma lapela de ouro, a essa altura já foram derretidas”, aposta.

Frequentadores vigiam para evitar assaltos
Enquanto o investimento em segurança acontece em algumas igrejas, outras contam mesmo é com os olhos de quem frequenta. De acordo com frei Marcos, guardião superior da Igreja e Convento de São Francisco, no Pelourinho, toda a construção conta com câmeras de segurança espalhadas em locais estratégicos, além de guarda patrimonial para a igreja, toda coberta de ouro.

“Temos segurança todos os dias, até as 19h, e câmeras com monitoramento 24 horas. E tem sempre os frades, que se revezam no monitoramento. Sempre que notamos algo suspeito, comunicamos logo às duas delegacias daqui”, diz o frei Marcos. O investimento foi feito pensando tanto na guarda do patrimônio quanto nos fiéis. A igreja vizinha, da Ordem Terceira de São Francisco, também tem câmeras e monitoramento constante.

Já a Igreja dos Mares, na Cidade Baixa, não conta com o mesmo esquema. Em 1927, uma âmbula de ouro – peça onde são guardadas as hóstias – foi levada da igreja. As hóstias foram derramadas e, dias depois, a âmbula foi encontrada jogada próximo à igreja. “Aqui é uma igreja relativamente nova, não tem aquela alfaia como nas igrejas barrocas mais antigas. Os cálices são comuns e as imagens são de gesso, então não são muito cobiçadas”, explica Pedro, integrante da paróquia.

Segundo ele, a paróquia conta com a vigilância dos próprios frequentadores, dos fiéis e até da vizinhança. “Diante da situação de hoje, todo mundo, seja padre, fiéis, seja quem auxilia, zela, todo mundo fica atento, porque qualquer irregularidade, a gente já parte para correr atrás, denunciando. Aqui, a gente tem a responsabilidade de orar a vigiar”, diz.

 

 

Camaçari Fatos e Fotos LTDA
Contato: (71) 3621-4310 | redacao@camacarifatosefotos.com.br, comercial@camacarifatosefotos.com.br
www.camacarifatosefotos.com.br