Liberado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, o Fipronil tem provocado efeitos devastadores com seu uso indiscriminado em diferentes regiões do Brasil, principalmente sobre as colmeias de abelhas. Registros de pelo menos oito estados, onde a apicultura se destaca, mostram que o agrotóxico tem aniquilado centenas de milhões de abelhas.
É o caso de Mato Grosso. Naquele estado, os exames mostraram que o veneno vitimou 100 milhões de abelhas, em junho. Na Bahia, apicultores perderam 80 milhões de abelhas. Estudos contínuos em Mato Grosso do Sul também identificaram associação crescente das mortes em massa com a substância. Em 2017, o Fipronil estava em 30,5% das amostras. Em 2021, dois anos após o registro do agrotóxico ter sido liberado por Bolsonaro, ele já estava em 66,6% das amostras. No ano passado, o crescimento foi ainda maior, ao atingir 85,7% dos casos.
Os dados foram levantados pelo jornal Folha de S. Paulo, que aponta também um extermínio de abelhas em São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Nesse último, em janeiro, produtores de Sebastião do Paraíso perderam toda a produção. Os exames encontraram mais de 30 agrotóxicos nas abelhas vitimadas, mas a morte súbita foi atribuída ao Fipronil. De acordo com especialistas, isso ocorre porque a substância atua diretamente no sistema nervoso central do inseto, provocando uma superexcitação nos músculos e nervos, o que torna o produto implacável como agente da morte aguda.
Uso indiscriminado
Empregado principalmente contra formigas e cupins, o Fipronil também tem como alvos o bicudo do algodão, a larva-alfinete no milho, a lagarta-elasmo na soja. O agrotóxico também é usado de forma doméstica, como mata-moscas e em coleiras de cães e gatos contra pulgas e carrapatos. Esse uso indiscriminado vem causando, de forma geral, um massacre de polinizadores, conforme alerta o professor Marcos Pędłowski da Universidade Estadual do Norte Fluminense, em Campos dos Goytacazes (UENF), que pesquisa o tema.
De acordo com o especialista, os dados estão centrados nas abelhas porque a apicultura nacional é um importante vetor de produção acadêmica. Mas a devastação é geral. Em seu blog, Pędłowski criticou que a permissão de uso do veneno continue sob o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Eu particularmente tive uma experiência direta com o uso de Fipronil em ambientes fechados em junho deste ano quando uma empresa contratada pela reitoria da Uenf aplicou o produto em horário de expediente no prédio do Centro de Ciências do Homem. O forte cheiro causou ânsia de vômitos e cefaleia em muitas pessoas que estavam no interior do prédio quando o produto foi aplicado. Esse fato nada corriqueiro levanta outra lebre que é o fato de que o Fipronil está sendo usado de forma ampla no interior de residências e prédios comerciais como uma substância de uso comum, mas que não deveria ser jamais ser”, contestou o pesquisador.
Dupla moral europeia
Sintetizado nos anos 1980, o agrotóxico esteve nas mãos da multinacional Basf entre 2003 e 2011. A patente expirou e hoje qualquer empresa no mundo pode fabricá-lo e exportá-lo. Por conta da alta letalidade em insetos, a substância teve o uso vetado na União Europeia. A decisão também levou em consideração o caso de uma empresa de que usou o Fipronil na composição de um desinfetante aviário que comprometeu galinhas e ovos em pelo menos 15 países da região em 2017. O bloco europeu, porém, segue permitindo a exportação do veneno para outros lugares. Uma “dupla moral”, nas palavras de Pędłowski.
Ativistas têm pedido uma mudança na regra. Em paralelo, apicultores brasileiros se mobilizam em vários estados para restringir o Fipronil. A referência para a mudança legal é Santa Catarina, onde o governo estadual proibiu a pulverização do agrotóxico. Historicamente usada de forma clandestina, a substância, em 2017, já havia sido responsável pela morte de 50 milhões de abelhas no estado. Após inúmeros surtos, em 2021, o Executivo local vetou o uso e, desde então, houve queda de 70% nas mortes agudas de abelhas causadas pelo produto.
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