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Abordagem de agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) ao carro da família no última quinta-feira (7) ocorreu no Arco Metropolitano - Divulgação - PRFAbordagem de agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) ao carro da família no última quinta-feira (7) ocorreu no Arco Metropolitano - Divulgação - PRF

A morte de Heloísa dos Santos Silva, de apenas 3 anos, após um tiro da Polícia Rodoviária Federal, em Seropédica (RJ), acertar sua cabeça e mantê-la sofrendo no hospital por nove dias, é mais um aviso sobre a necessidade urgente de acelerar a desbolsonarização da instituição.

 

Com a ajuda do então ministro da Justiça Anderson Torres (que ficou preso quatro meses em meio à investigação sobre os atos golpistas) e do então delegado-geral da Polícia Rodoviária Federal Silvinei Vasques (que está preso pelo mesmo motivo), o ex-presidente Jair Bolsonaro dobrou a PRF, tentando transformá-la em sua guarda pretoriana.

Mesmo que seus agentes sejam instruídos a não sair atirando em carros, quatro anos de um governo que permitiu à corporação extrapolar seus limites constitucionais esgarçou o controle do seu cotidiano. Para reverter a mutação republicana que daí surgiu, vai levar muito tempo.

O caso de Heloísa não foi o único em que a PRF tratou a população brasileira como inimiga. No dia 14 de agosto, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, assinou a demissão de três policiais rodoviários federais que, em maio de 2022, mataram um homem, em Umbaúba (SE), através de uma câmara de gás improvisada em uma viatura durante uma fiscalização de trânsito.

Genivaldo de Jesus Santos, negro, 38 anos, desarmado, que dirigia uma motocicleta velha e vivia com uma doença mental, foi trancado em um porta-malas. Então, acionaram uma bomba de gás para lhe fazer companhia, em Umbaúba (SE).

Mas não é só nas blitz em estradas.

Também em maio do ano passado, a PRF e a Polícia Militar do Rio deflagraram uma operação na Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, para prender chefes do Comando Vermelho e suspeitos de outros estados que estariam escondidos no lugar. Ao final, produziram uma chacina que deixou 23 mortos.

Três meses antes, outra operação da PRF e da PM-RJ na Vila Cruzeiro já havia deixado, ao menos, oito mortos, além de fechar escolas e postos de saúde.

Para além das mortes, os golpes. A Polícia Rodoviária Federal abriu a temporada de ações golpistas ao implementar, sob o comando de Torres e Vasques, bloqueios em estradas para dificultar que eleitores de locais com alto índice de votos lulistas fossem às urnas no segundo turno.

Naquele domingo, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, ameaçou o diretor da PRF de prisão se não liberasse as estradas em 20 minutos. "Ou você para os bloqueios ou você vai para a cadeia", relata reportagem da revista Piauí que narra o encontro entre os dois no 30 de outubro.

Isso não diminuiu a empáfia de Vasques, que tratou os parlamentares da CPMI dos Atos Golpistas como idiotas ao dar justificativas toscas para os bloqueios nas estradas. "É um crime impossível, que não ocorreu, não tem como. Como falaríamos com 13 mil policiais explicando essa forma criminosa sem ter uma conversa de WhatsApp, Telegram, sem uma reunião, sem nenhum e-mail enviado?", questionou. Cinismo em estado mais puro, pois basta que algumas pessoas da cúpula ordenem os bloqueios.

A partir do momento em que o diretor-geral da PRF começou a agir como cabo eleitoral de Jair, ele deveria ter sido afastado de suas funções. Como não foi, a corporação foi usada em duas ações golpistas.

Na primeira vez, emperrou o transporte de eleitores mais pobres, principalmente no interior do Nordeste. Na segunda, a PRF fez vistas grossas aos protestos golpistas que trancaram rodovias em todo o país nas semanas seguintes à vitória do petista, deixando que bloqueios se instalassem, mentindo que precisava de uma decisão judicial para desobstruir as vias. Vídeos em que policiais rodoviários passavam pano para golpistas viralizaram nas redes levando a engrossar os bloqueios.

Precisou a Justiça Federal emitir uma série de decisões e o próprio STF intervir com ameaça de multa contra Vasques para a cúpula da corporação se mexer de fato. Faltou vontade, sobrou seletividade. Afinal, quando indígenas fecharam uma rodovia por algumas horas, em São Paulo, em maio deste ano, para protestar contra o marco temporal, tomou bomba e bala de borracha no lombo.

Um dia antes da eleição, Silvinei Vasques já havia publicado em suas redes sociais um pedido de voto em Bolsonaro. Provavelmente para dirimir dúvidas de seus subordinados a respeito de quem ajudar na reta final. Depois, com o recado dado, apagou.
Desde que assumiu, Bolsonaro atuou para sequestrar instituições de monitoramento e controle. Sem ter conseguido garantir o apoio irrestrito da Polícia Federal, apelou à sua irmã. Inclusive a PF foi solicitada a ajudar a PRF nos bloqueios, mas não topou.

A PRF, que sempre fez um importante trabalho em ações de combate ao trabalho escravo e ao tráfico de seres humanos, alinhou-se à ideologia extremista do presidente e passou a transmitir a imagem de uma instituição que servia para a contenção dos mais vulneráveis e para ações golpistas.

O ministro Flávio Dino afirmou que determinou "a revisão da doutrina e dos manuais de procedimentos da Polícia Rodoviária Federal, para aprimorar tais instrumentos, eliminando eventuais falhas e lacunas".

Policiais não são monstros alterados por radiação para serem insensíveis ao ser humano. Não é da natureza das pessoas que decidem vestir farda (por opção ou falta dela) tornarem-se violentas. Elas aprendem a agir assim. No cotidiano da instituição a que pertencem (e sua natureza mal resolvida), na formação profissional que tiveram, na exploração diária como trabalhadores e na internalização de sua principal missão: manter o status quo.

O problema não se resolve apenas com aulas de direitos humanos e sim com uma revisão sobre o papel e os métodos da polícia em nossa sociedade. Setores da polícia estão impregnados com a ideia de que nada acontecerá com eles caso não cumpram as regras. Outra parte sabe que a mesma sociedade está pouco se lixando para eles e suas famílias, pagando salários ridículos e cobrando para que se sacrifiquem em nome do patrimônio alheio.

E há aqueles que caíram no conto de Jair, colocando-o acima de tudo em nome de uma guerra contra o próprio povo.

O processo de desbolsonarização da corporação não ocorrerá da noite para o dia. A demissão e a prisão de envolvidos no caso do Genilvaldo e de Heloísa não bastam, portanto, mas são um começo.

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