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 Jair Bolsonaro e Arthur Lira participam de cerimônia juntos em Brasília - Foto: Reprodução Jair Bolsonaro e Arthur Lira participam de cerimônia juntos em Brasília - Foto: Reprodução

(Presidente deu aval para que emendas do relator recebessem recursos bilionários a partir de 2020. Entenda o que o Executivo poderia fazer para mudar esse sistema de repasses cercado de suspeitas)

 

O “orçamento secreto”, que desde 2020 permite a deputados e senadores destinarem recursos federais bilionários a suas bases eleitorais sem que haja transparência sobre o repasse da verba, conta com o aval do presidente Jair Bolsonaro.

Na campanha de 2022, em que disputa a reeleição pelo PL, Bolsonaro tenta se desvincular da prática, já associada a indícios de superfaturamento e corrupção. Para 2023, o “orçamento secreto” terá mais de R$ 19 bilhões.

Neste texto, o Nexo relembra a criação do “orçamento secreto”, lista irregularidades já descobertas e mostra o que o presidente poderia ter feito e o que pode fazer, como chefe do Executivo, em relação ao tema.

Uma dobradinha entre Congresso e Executivo

Na segunda-feira (10), quando questionado mais uma vez por uma jornalista de O Estado de S. Paulo sobre as razões que o levaram a recuar do veto sobre o “orçamento secreto”, Bolsonaro repetiu a mesma frase: “Pelo amor de Deus, para com isso. Orçamento secreto é uma decisão do Legislativo que eu vetei, depois derrubaram o veto. Quem recuou do veto? Ah, eu desvetei? Desconheço desvetar”.

A imprensa tem publicado reportagens na tentativa de esclarecer fatos que Bolsonaro omite. De fato, em 11 de novembro de 2019, a Presidência da República enviou a mensagem nº 569 ao Congresso explicando as razões para vetar, por orientação do Ministério da Economia, mudanças que o Congresso tinha criado na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), a partir de 2020.

O Congresso havia feito um projeto para permitir que as emendas do relator-geral do projeto de lei orçamentária anual — as chamadas emendas do relator, que se tornaram a ferramenta do "orçamento secreto" — promovessem “acréscimo em programações constantes do projeto de lei orçamentária ou inclusão de novas”. Isso quer dizer que o relator do orçamento não faria apenas ajustes técnicos e pontuais na proposta orçamentária, mas poderia criar novas fontes de despesas, adquirindo novos poderes.

A Presidência propôs o veto alegando que a ideia do Congresso de usar as emendas do relator (ou RP9) dessa maneira, além de ser inconstitucional, contrariava o interesse público. A razão do veto dizia o seguinte:

“Os dispositivos criam novos marcadores de despesas discricionárias de execução obrigatória, o que contribui para a alta rigidez do orçamento, dificultando não apenas o cumprimento da meta fiscal como a observância do Novo Regime Fiscal”

[mensagem 569 da Presidência da República, de novembro de 2019, expondo as razões do veto às mudanças propostas na LDO que criariam o ‘orçamento secreto’]

Segundo o governo, ao desejar usar as emendas de relator para aumentar despesas, o Congresso estaria descumprindo a Constituição, a Lei de Responsabilidade Fiscal e o teto de gastos (“Novo Regime Fiscal”).

No entanto, poucas semanas depois, em 3 de dezembro de 2019, a Presidência da República enviou ao Congresso uma nova mensagem, de nº 638, assinada por Bolsonaro, e uma exposição de motivos, assinada pelo ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo da Presidência, dando aval para o uso das RP9. Ramos dizia que as emendas do relator turbinadas iriam “aprimorar a gestão no âmbito da execução de convênios, de contratos de repasse”.

O ano de 2020 sacramentou, então, o “orçamento secreto” e a aliança de Bolsonaro com o centrão — grupo de parlamentares com histórico de fisiologismo que costuma dar apoio aos governos de plantão em troca de acesso privilegiado ao Orçamento federal e a cargos da máquina pública. A partir dali, o presidente se viu protegido contra os pedidos de impeachment que se acumulavam na gaveta do então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, então filiado ao DEM do Rio de Janeiro. Em 2021, com a chegada ao comando da Câmara do aliado Arthur Lira, do Progressistas de Alagoas, qualquer chance de impeachment foi enterrada.

As emendas do relator turbinadas por bilhões de reais foram reveladas pelo jornalista Breno Pires, à época no jornal O Estado de S. Paulo, no início de maio de 2021. Ele descobriu o uso paralelo das emendas do relator para superfaturar a compra de tratores e equipamentos agrícolas. O “orçamento secreto” finalmente veio a público.

No mesmo mês de maio daquele ano de 2021, dias depois, outra reportagem de O Estado de S. Paulo mostrou detalhes de como a prática foi gestada dentro do Palácio do Planalto, em acordo do Executivo com o centrão. Na reportagem são exibidas as assinaturas de Ramos e Bolsonaro nas mensagens citadas acima.
Por que Bolsonaro teme ser associado ao esquema

O diretor-executivo da Transparência Internacional, Bruno Brandão, classificou o esquema do “orçamento secreto”, em entrevista à BBC Brasil, de “maior processo de institucionalização da corrupção que se tem registro no país”.

Segundo ele, os parlamentares e o governo tentam usar um mecanismo institucional, com verniz legal, para disseminar uma prática corrupta, pois recursos públicos estão sendo apropriados para interesses privados.

Candidata derrotada à Presidência no primeiro turno das eleições, a senadora Simone Tebet (MDB) afirmou, ao podcast Flow, que o orçamento secreto é o “maior escândalo de corrupção do planeta”. A entrevista viralizou.

Uma das estratégias políticas de Bolsonaro, na campanha à reeleição, é associar a corrupção às administrações do PT e a Lula e argumentar que seu governo “é limpo”. Portanto, o presidente adota uma retórica de responsabilizar o Congresso pela prática do “orçamento secreto”.

Em uma série de reportagens, o jornal O Estado de S.Paulo já mostrou que essa prática descontrolada de repasse de verbas está associada à corrupção. Além da compra de tratores e maquinário agrícola, a compra de caminhões de lixo, com preços inflados, disparou, sem que isso fosse associado a qualquer política pública federal.

Uma das reportagens mostrou casos em cidades do Piauí e de Alagoas, bases do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (senador licenciado do Progressistas), e de Arthur Lira, as duas principais lideranças do Centrão. Uma outra reportagem, do mesmo jornal, mostrou que a prática estava tão disseminada que os políticos aliados de Bolsonaro estavam indicando emendas e recursos para estados fora de sua base eleitoral. Foram identificados repasses de R$ 181 milhões.

Mas não é só a tentativa de se blindar de esquemas de corrupção que faz Bolsonaro manter distância do tema do “orçamento secreto”. Há uma razão também legal e jurídica. Bolsonaro já foi alertado, mais de uma vez, pela equipe econômica, que a prática, além de ferir a autonomia do Executivo na gestão orçamentária, é inconstitucional. A mais recente abordagem do Ministério da Economia, revelada pelo repórter Breno Pires, já na revista Piauí, foi uma extensa nota técnica, de 10 de agosto deste ano.

Técnicos da pasta explicaram ao presidente que reservar R$ 19 bilhões para os parlamentares distribuírem ao seu bel prazer em 2023, é uma prática que, “além de não possuir qualquer respaldo constitucional, esvazia a prerrogativa do Poder Executivo de elaborar a proposta orçamentária para seus órgãos e entidades”.

As argumentações técnicas, de dentro de seu próprio governo, mostram que Bolsonaro tinha ciência do que se tratava o “orçamento secreto” e se omitiu de tomar qualquer iniciativa para coibir esse esquema ou torná-lo, no mínimo, transparente, com identificação de todos autores das emendas (que, obviamente, não são o relator-geral do orçamento).
O histórico das emendas de relator

As emendas parlamentares, conforme explica Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, “há anos, constituem um instrumento de negociação entre o Executivo e o Legislativo, inclusive como forma de obtenção de apoio dos parlamentares para as agendas do governo”.

Castello Branco relembra que existem quatro tipos de emendas: as individuais, as emendas de bancada, as emendas de comissão e as do relator-geral (RP9). Desde 2015, por decisão do Congresso, as emendas individuais, às quais cada parlamentar tem direito de apresentar, são impositivas, ou seja, o governo federal é obrigado a pagar. Isso foi uma maneira de o Legislativo obrigar o Executivo a ser republicano, isto é, a tratar a todos os parlamentares da mesma maneira, independente de ser um aliado do governo ou ser da oposição. Em 2019, os parlamentares fizeram o mesmo com as emendas de bancada, que também passaram a ser impositivas.

Já as emendas de comissões e as emendas de relator-geral (que compõem o “orçamento sercreto”) não são obrigatórias e as execuções dependem de negociações entre o Executivo e o Legislativo. Ou seja, elas podem ser usadas como moeda de troca: o parlamentar que vota com o governo tem mais repasses federais para suas bases.

Emendas de relator já foram objeto de escândalo nacional, em 1993, na CPI dos Anões do Orçamento. O relator, naquela época, tinha um enorme poder de decisão sobre o orçamento. As descobertas de desvios e corrupção, à época, obrigaram o Congresso a limitar os poderes do relator-geral. Foi a partir de então, com a Resolução do Congresso Nacional nº 1/2006, conforme lembra o secretário-geral da Contas Abertas, que o relator-geral passou a fazer emendas apenas para corrigir erros e omissões do orçamento, ou para recompor alguma dotação orçamentária. Nestas “recomposições”, o relator-geral precisaria atender a pareceres preliminares.

Foi aí que o Congresso encontrou uma brecha. “Em 2007, o primeiro parecer preliminar sob as novas regras autorizou a apresentação de emendas de relator para ajuste do salário mínimo, compensação aos Estados de acordo com a Lei Kandir e a revisão da remuneração de servidores públicos”, recorda Gil Castello Branco.

As emendas de relator são identificadas pelas letras RP porque estão relacionadas a despesas de Resultado Primário. “Ao contrário das emendas individuais, de bancadas e de comissões, nas quais os autores e finalidades são conhecidos de forma transparente, nas emendas de relator não há clareza sobre: 1) quais foram os critérios de seleção dos parlamentares contemplados; 2) como foram distribuídos os valores entre eles; 3) quais as localidades favorecidas, em que montantes e para quais finalidades”, salienta Gil Castello Branco. Outro problema é que não se sabem os motivos pelos quais os parlamentares favorecem um estado ou uma região em detrimento de outros.

O montante de R$ 17 bilhões distribuídos por emendas de relator em 2021, compara Castello Branco, “é sete vezes maior do que todo o orçamento do Ministério do Meio Ambiente; duas vezes maior do que todos os recursos destinados ao Ministério da Ciência e Tecnologia; maior do que dispõe o Ministério da Infraestrutura e o de Minas e Energia; equivalente ao orçamento do Ministério da Justiça”.

O que pode ser feito

A CGU (Controladoria-Geral da União) fez uma investigação preliminar para apurar denúncias de superfaturamento em emendas do relator pagas por meio do Ministério de Desenvolvimento Regional. Os riscos de sobrepreço em convênios foram comprovados. A CGU pediu então que a pasta adotasse medidas para mitigar os riscos de irregularidades nas contratações, com mecanismos de controle mais rígidos e exigência de documentações complementares.

O TCU (Tribunal de Contas da União) também recomendou ao Executivo federal que desse publicidade às emendas RP9, registrando-as inclusive em plataforma eletrônica centralizada. A partir de 2023, a Comissão Mista de Orçamento alega que será possível identificar o valor das emendas, datas de empenho e o nome do prefeito que fez o pedido de repasse ao parlamentar.

Até o momento, as medidas adotadas para se dar mais transparência às emendas de relator ainda não são consideradas suficientes para o controle público da distribuição de verbas, segundo especialistas. O Supremo Tribunal Federal vai analisar a constitucionalidade do uso das emendas RP9. Isso só deve ocorrer após as eleições de 30 de outubro.

Na entrevista de Simone Tebet sobre o “orçamento secreto”, que viralizou, a então candidata dizia que Bolsonaro poderia, por portaria, determinar que o Ministério do Desenvolvimento Regional, por exemplo, divulgasse detalhes de todas as RP9. Ela salientava que o presidente da República, com a caneta na mão, tem poderes e poderia, sim, aumentar a transparência ou coibir o esquema de corrupção.

Além disso, como se tratam de despesas discricionárias (que estão sujeitas à avaliação do gestor), e não uma verba carimbada, o governo não é obrigado a fazer o empenho e nem o repasse.

Uma medida tomada pelo Congresso sobre a LDO de 2022, no entanto, deixou o governo ainda mais engessado. Apesar de o governo não ser obrigado a executar o pagamento das emendas RP9, os parlamentares determinaram, na lei, que os recursos indicados pelo relator-geral não podem ser repassados a outros beneficiários. Com isso, o Executivo está cada vez mais refém do Congresso e perde a autonomia de elaboração da peça orçamentária, ou seja, o poder de definir como quer gastar o dinheiro público, e em que políticas públicas prioritárias os recursos devem ser investidos.

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