Para o economista Marcelo Medeiros, professor visitante na Universidade Columbia (EUA) que há décadas se dedica a pesquisar a desigualdade social brasileira, garantir que o salário mínimo não perca poder de compra em tempos de inflação alta não é apenas uma questão importante para reduzir a pobreza de um país.
Isso porque toda vez que o salário "encolhe", crescendo em ritmo mais fraco que o do aumento dos preços, espalha também um efeito recessivo sobre toda a economia.
"A redução (do salário mínimo) diminui o consumo e desacelera a economia. A inflação brasileira é uma inflação de custos - o preço das coisas, como contas e compras, vai aumentando. Então, se o salário mínimo diminui, isso pode ter efeito recessivo, que é algo que o Brasil não quer de jeito nenhum nesse momento", pondera o economista.
No governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), há três anos não há reajuste do piso salarial acima da inflação. O último foi em 2019, quando ainda prevalecia a regra de correção que considerava a inflação mais a variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes.
O debate sobre o salário mínimo voltou a esquentar com a divulgação no começo de maio de relatório da corretora Tullett Prebon Brasil, que estima que o mínimo perderá 1,7% em poder de compra até o fim do atual mandato do presidente, passando de R$ 1.213,84 para R$ 1.193,37 entre dezembro de 2018 e dezembro de 2022, descontada a inflação prevista no Boletim Focus.
Tal cenário tornaria Bolsonaro o primeiro presidente da República desde o Plano Real a concluir o mandato com o mínimo com menos poder de compra do que quando assumiu o cargo.
Embora Medeiros considere que ainda é cedo para estimar qual será de fato a perda real do mínimo no governo Bolsonaro, ele destaca que, no passado, a queda no poder de compra mostrou-se prejudicial ao funcionamento da economia e impactou negativamente o dia a dia dos brasileiros.
"O ponto é que nós não temos que combater apenas a pobreza, mas também melhorar a situação de todos os brasileiros que têm renda", afirmou.
A BBC News Brasil conversou com o especialista sobre os principais impactos - históricos e atuais - do salário mínimo no Brasil. Veja a seguir.
BBC News Brasil - O aumento do salário mínimo é a melhor forma de combate à pobreza?
Marcelo Medeiros - Há estratégias que apresentam uma taxa ainda maior de sucesso, mas o ponto é que nós não temos que combater apenas a pobreza, mas também melhorar a situação de todos os brasileiros que têm renda. São pessoas que não estão na condição extrema da pobreza, mas ainda assim têm renda baixa o suficiente para merecer atenção das políticas sociais.
Parte do custo é absorvido pelo estado e parte do custo é redistribuído por todo o mercado de trabalho. Todo mundo que contrata alguém com salário mínimo absorve parte desse custo. É por isso que você dá o aumento no momento que a economia está crescendo, para acompanhar o crescimento da economia. Supondo que esse crescimento está melhorando a condição das pessoas, então você distribui esse crescimento, de alguma maneira, também para as pessoas mais pobres. Essa é a lógica por trás dos aumentos, e é bem fundamentada.
BBC News Brasil - Aumento do salário mínimo pode ter efeito reverso, gerando pobreza, como alegam os críticos?
Medeiros - Há uma discussão, já considerada obsoleta, de que ao subir o salário mínimo, as empresas não conseguiriam pagar e demitiriam - fazendo com que o aumento do valor do salário mínimo, na verdade, gerasse pobreza.
Há casos isolados onde isso acontece, mas em geral não é o que ocorre, até porque economia não se regula dessa maneira. O desemprego no Brasil é determinado por outros fatores, principalmente por problemas do desempenho geral da economia e não especificamente pelo custo isolado do trabalhador.
Além disso, não estamos falando em um aumento de 30%, mas sim em um ganho real que gira entre 1% e 3%. O mercado não reage com desemprego quando se trata de aumentos pequenos."
BBC News Brasil - A redução do salário mínimo pode ser considerada perigosa para a economia brasileira?
Medeiros - É certamente uma péssima ideia. Porque a redução, entre outras coisas, é recessiva. Ela diminui o consumo e desacelera a economia. A inflação brasileira é uma inflação de custos - o preço das coisas, como contas e compras, vai aumentando. Então se o salário mínimo diminui, isso pode ter efeito recessivo, que é algo que o Brasil não quer de jeito nenhum nesse momento.
Além disso, vai aumentar a pobreza, a não ser que seja compensado pela expansão grupal de outras políticas para compensar as perdas que você terá, cujo custo fiscal vai ser mais alto.
BBC News Brasil - Do ponto de vista de políticas públicas, programas como o Auxílio Brasil, o antigo Bolsa Família, é considerado mais útil para combater a pobreza do que ajustes do salário mínimo?
Medeiros - Não necessariamente. Essa discussão só olha para o impacto pela medida de pobreza. É necessário pensar como funciona o mercado de trabalho como um todo, em que todas as medidas que vão afetar o mercado de trabalho.
[Programas como o antigo] Bolsa Família ajuda pobres e extremamente pobres. A eficiência do programa aumentaria se o benefício dos pobres fosse retirado e passado para os extremamente pobres. Mas isso não é desejável. O custo social disso é muito alto.
BBC News Brasil - Aumento do salário mínimo só surte efeito para quem trabalha no regime CLT?
Medeiros - Ele afeta todos os trabalhadores informais que ganham um salário fixo, então, mesmo quem não tem carteira de trabalho assinada. Os empregadores não assinam a carteira para não pagar previdência, não para não pagar o salário mínimo. Sinais de que temos 13º.
BBC News Brasil - O que fazer se o salário mínimo para de funcionar para combate da pobreza?
Medeiros - Não há nem sinal de que o Brasil esteja perto desse ponto, e existe uma vantagem nesse tipo de política.
Se houver um sinal de que o salário mínimo está causando pobreza em vez de reduzir, basta interromper os aumentos, porque a inflação vai se encarregar de reduzir, rapidamente, os valores. Política facilmente reversível, então não é necessário se preocupar agora. O que é importante é ter uma boa rede de informação sobre trabalho no Brasil, algo que é desprezado no governo atual - planejamento e monitoramento do mercado de trabalho.
E, nesse tipo de política, se o limite for alcançado basta interromper novos aumentos, a inflação reverte o resultado.
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