A revista Época, de propriedade da Rede Globo, na edição semanal que começou a circular dia 09 de janeiro de 2016, avacalha com a reportagem "Dilma garantiu empréstimo camarada do BNDES para Andrade Gutierrez em Moçambique".
O texto é entremeado com recursos capciosos e insinuantes, para conferir um aspecto de trama novelesca à suposta "notícia". A narrativa do que seria um ato administrativo da CAMEX, que é o órgão federal que cuida do comércio exterior, tem pitadas detetivescas e policialescas. Com esta técnica, a revista quer induzir o leitor a digerir ao natural a conclusão de que este "novo escândalo descoberto" tem os seus bandidos, e é óbvio que os bandidos só poderiam ser a Dilma e o PT.
A leitura atenta da reportagem, entretanto, conduz à conclusão de que a revista Época comete fraude jornalística através da manipulação do fato. É fácil entender porque:
1. o governo de Moçambique apresentou ao governo do Brasil, pelas vias diplomáticas, razões plausíveis para o não atendimento da condição imposta pelo BNDES, de abertura de conta bancária garantidora em algum país com baixo risco de inadimplência, para poder receber o empréstimo de 320 milhões de dólares para a contratação da Construtora Andrade Gutierrez, que venceu a licitação internacional para a construção da barragem de Moamba Maior;
2. o governo de Moçambique deixou claro que, sem a flexibilização de parte do BNDES, o contrato da obra seria adjudicado com outra empresa de outro país que aceitasse as capacidades moçambicanas;
3. a CAMEX reuniu seus integrantes para analisar e deliberar sobre a situação. Ante a ameaça concreta com que se defrontava, de perder ou de manter um negócio de US$ 320 milhões no comércio africano de serviços, a decisão foi pela equalização das normas brasileiras às mesmas exigibilidades adotadas pelos países concorrentes;
4. em função disso, o BNDES foi autorizado a assinar o contrato de financiamento com o governo de Moçambique e o consórcio liderado pela Construtora Andrade Gutierrez para a realização daquela obra de infra-estrutura. Ponto final.
A revista Época poderia ter ficado neste ponto, mas avançou o sinal. Com linguajar sinistro, deu a entender que o entendimento jurídico entre os governos do Brasil e de Moçambique se entrelaça com a corrupção investigada pela Operação Lava Jato.
Com este viés, a reportagem associou as contribuições da Andrade Gutierrez para a campanha de reeleição da presidente Dilma com a corrupção na Petrobrás. A reportagem sugere que as contribuições legais da construtora [que estão na prestação oficial de contas da campanha Dilma no TSE], poderiam ser "propinas": R$ 10 milhões em 29/08/2014 e, entre 23/09 e 22/10/2014, mais R$ 10 milhões, num total de R$ 20 milhões.
A revista da Rede Globo foi preguiçosa e irresponsável. Ou agiu por genuína má-fé. Ela bem que poderia, ao menos, ter analisado as contas da campanha de Aécio Neves também no site do TSE [aqui], na linha imediatamente abaixo daquela onde estão disponíveis as informações da presidente Dilma, de onde a Época extraiu os dados que alimentaram seus delírios para incriminar a campanha petista.
As contribuições da Andrade Gutierrez para o Aécio foram: R$ 2 milhões [em 01/08/2014]; R$ 4,2 mi [em 08/08]; R$ 2 mi [20/08]; R$ 4 mi [29/08]; R$ 9 mi [05/09]; R$ 1,1 mi [10/09]; R$ 300 mil [12/09]; R$ 800 mil [17/09]; R$ 200 mil [19/09]; R$ 100 mil [26/09]; R$ 1 mi [01/10]; R$ 700 mil [em 03/10]; e R$ 500 mil em 07/10/2014.
No total, a Andrade Gutierrez repassou R$ 25,9 milhões para a candidatura do Aécio; ou seja, R$ 5,9 milhões a mais que o valor repassado para a campanha da presidente Dilma.
Apesar dos dados oficiais, a Rede Globo constrói uma narrativa segundo a qual as doações de empresas para a campanha da Dilma têm origem suja, supostamente originárias da corrupção na Petrobrás; e, ao mesmo tempo, os repasses das mesmas empresas, feitos no mesmo período, saídas do mesmo caixa, e, ainda que em valores muito maiores para a campanha do Aécio, têm origem legal [sic]. Cândido assim!
O delírio da revista Época ganhou pernas nos demais veículos da família Marinho. O Jornal Nacional, também da Rede Globo, na edição de sábado empregou por preciosos minutos o mesmo viés tendencioso e parcial. O Jornal O Globo de domingo traz matéria sobre o assunto.
O objetivo desta "denúncia" não tem nada de nobre: recorta a realidade, seleciona fatos, lança suspeitas infundadas, desestabiliza a situação política e serve como um libelo para os interesses tucano-golpistas no TSE, teatro onde Gilmar Mendes se esbalda no julgamento revanchista das contas da campanha da Dilma.
Os critérios da família Marinho são curiosos. Para eles, dinheiro bom é o dinheiro da FIFA que sustenta o monopólio das transmissões de jogos de futebol; dinheiro limpo e honesto foi aquele conseguido com subserviência e cumplicidade na ditadura civil-militar para montar o império de comunicações; dinheiro bom é aquele das dívidas esquecidas e anuladas pelos governos amigos; é aquele dinheiro dos lucros obtidos com concessões vitalícias, ilegais e que nunca são licitadas e renovadas.
Artigo publicado originalmente no portal Carta Maior
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