A decisão é do júri popular que teve início na última quarta-feira (30), que condenou os ex-sargentos por crime de duplo homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, emboscada e dificuldade em garantir a defesa da vítima), além da tentativa de homicídio contra Fernanda Chaves, assessora de Marielle que sobreviveu ao atentado.
Além da condenação, a juíza Lúcia Glioche manteve a prisão preventiva dos executores confessos e negou o direito de recurso em liberdade para os réus.
Lessa e Queiroz deverão, ainda, pagar uma pensão ao filho do motorista Anderson Gomes, até que ele complete 24 anos.
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A Justiça determinou ainda uma indenização paga em conjunto a todas as vítimas: Arthur, filho de Anderson; Ágatha Arnaus, viúva de Anderson; Luyara Franco, filha de Marielle; Mônica Benício, viúva de Marielle; e Marinete Silva, mãe de Marielle.
Julgamento
Os réus acompanharam o julgamento remotamente. Lessa está no Complexo Penitenciário de Tremembé, em São Paulo. Queiroz assistiu aos depoimentos do Complexo da Papuda, presídio federal em Brasília.
“Fiquei cego; minha parte eram R$ 25 milhões. Podia falar assim: era o papa, que eu ia matar o papa, porque fiquei cego e reconheço. Vou cumprir o meu papel até o final, e tenho certeza absoluta de que a Justiça será feita”, disse Lessa em depoimento, garantindo que a sua motivação para executar Marielle foi financeira.
O ex-sargento também pediu perdão para as famílias das vítimas.
“Na época, o que me foi dito por algumas pessoas é que ela atrapalharia, que ela entraria no caminho. Então, a questão era: dois loteamentos no bairro do Tanque; um loteamento seria para quem matasse Marielle, e o outro seria para os mandantes”, afirmou o ex-sargento.
Além dos réus, também prestaram depoimento
Fernanda Chaves, assessora de Marielle;
Marinete Silva, mãe de Marielle;
Mônica Benício, viúva de Marielle;
Ágatha Arnaus, viúva de Anderson;
Carlos Alberto Paúra Júnior, investigador;
Luismar Cortelettili, agente da Polícia Civil do Rio;
Carolina Rodrigues Linhares, perita criminal;
Guilhermo Catramby, delegado da PF;
Marcelo Pasqualetti, policial federal.
Condenação
Ao ler a sentença, a juíza Lúcia Glioche, do 4º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, afirmou que a Justiça é lenta, além de ressaltar as dificuldades de se investigar o crime ao longo dos últimos seis anos.
Leia a sentença na íntegra:
“O júri é uma democracia. Democracia esta que Marielle Franco defendia.
Aqui prevalece a vontade do povo em maioria. Aqueles que atuam como os jurados nada recebem; prestam um serviço voluntário, gratuito, representando a vontade do povo no ato de julgar o semelhante, que é acusado de ter praticado um crime tão grave que é querer tirar a vida da outra pessoa.
Portanto, senhores jurados, obrigada em nome do Poder Judiciário. Obrigada em nome da população da cidade do Rio de Janeiro.
A sentença que será lida, agora, talvez não traga aquilo que se espera da Justiça. Talvez justiça que tanto se falou aqui fosse que o dia de hoje jamais tivesse ocorrido. Talvez justiça fosse Marielle e Anderson presentes. Como se justiça tivesse o condão de trazer o morto de volta.
Então dizemos que vítimas do crime de homicídio são aqueles que ficam vivos, precisando sobreviver no esgoto que é o vazio de permanecer vivo sem a vida daquele que foi arrancado do seu cotidiano.
A sentença não serve para tranquilizar as vítimas, que são Marinete, mãe de Marielle; Anielle, irmã de Marielle; Mônica, esposa de Marielle; Luyara, filha de Marielle; Ágatha, esposa de Anderson, e Arthur, filho de Anderson.
Homicídio é um crime traumatizante — finca no peito uma dor que sangra todo dia, uns dias mais, uns dias menos, mas todos os dias.
A pessoa que é assassinada deixa uma falta, uma carência, um vácuo. Que palavra nenhuma descreve. Toda a minha solidariedade e do Poder Judiciário às vítimas.
A sentença que será dada agora talvez também não responda à pergunta que ecoou pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro, do Brasil e do mundo: Quem matou Marielle e Anderson?
Talvez ela não responda aos questionamentos dos 46.502 eleitores cariocas que fizeram de Marielle Franco a 5ª vereadora mais votada na cidade do Rio de Janeiro nas eleições municipais de 2016 — e que tiveram seu direito de representação ceifado no dia 14 de março de 2018.
Todavia, a sentença que será lida agora se dirige aos acusados aqui presentes. E mais: ela se dirige aos vários Ronnies e vários Élcios que existem na cidade do Rio de Janeiro — livres por aí.
Eu digo sempre que nesses 31 anos que eu sirvo ao sistema de Justiça, nenhum de nós do povo nunca saberá o que se passou no dia de um crime. Quem não estava na cena do crime, não participou dele, nunca sabe o que aconteceu.
Mesmo assim, o Poder Judiciário e hoje os jurados precisam julgar o crime com as provas que o processo apresenta, e trazer às provas para o processo, para os jurados é árduo.
Porém, com todas as dificuldades e todas as mazelas de investigar um crime, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro denunciou os acusados. Eles foram processados e tiveram garantido o seu direito de defesa — e foram julgados.
Por anos exercendo a plenitude do direito constitucional de autodefesa, os acusados juraram inocência, pondo a todo o tempo em dúvida a prova trazida contra eles. Até que um dia, no ano passado, 2023, por motivos que de verdade a gente jamais vai saber, o acusado Élcio fez a colaboração premiada. Depois o acusado Ronnie a fez também.
Os acusados confessaram a execução e a participação no assassinato da vereadora Marielle Franco.
Por isso, fica aqui para os acusados presentes e serve para os vários Ronnies e vários Élcios que existem por aí, soltos, a seguinte mensagem:
A Justiça por vezes é lenta, é cega, é burra, é injusta, é errada, é torta, mas ela chega.
A Justiça chega mesmo para aqueles que, como os acusados, acham que jamais vão ser atingidos pela Justiça. Com toda dificuldade de ser interpretada e vivida pelas vítimas, a Justiça chega aos culpados e tira deles o bem mais importante depois da vida, que é a liberdade.
A Justiça chegou para os senhores Ronnie Lessa e Elcio de Queiroz. Os senhores foram condenados pelos jurados do 4º tribunal do júri da capital:
a 78 anos e 9 meses de reclusão e 30 dias-multa para o acusado Ronnie;
a 59 anos de prisão e 8 meses de reclusão e 10 dias-multa para o acusado Élcio.
Saem os 2 condenados a pagar até os 24 anos do filho de Anderson, Arthur, uma pensão.
Ficam os 2 condenados a pagar, juntos, R$ 706 mil de indenização por dano moral para cada uma das vítimas — Arthur, Ághata, Luyara, Mônica e Marinete.
Condeno os acusados a pagarem as custas do processo e mantenho a prisão preventiva deles, negando o direito de recorrer em liberdade.
Agradeço as partes, a Defensoria Pública, às defesas dos 2 acusados. Agradeço aos serventuários da Justiça, aos policiais militares. Renovo o agradecimento aos jurados.
Encerro a sessão de julgamento e quebro a incomunicabilidade.
Tenham todos uma boa noite”.
Famílias
Emocionadas, as famílias das vítimas se abraçaram após a leitura da sentença e não conseguiram conter as lágrimas. “A gente contava com esse dia. Essa condenação precisava ser feita. Vamos continuar lutando, a cada dia é uma vitória”, desabafa Marinete, mãe de Marielle.
A viúva de Anderson Gomes ressaltou o orgulho por não desistir da busca pela Justiça.
“Na fala deles [os condenados] tem uma frieza, como se fosse muito tranquilo e fácil acabar com a vida de uma pessoa. É muito difícil a gente não ver nenhum arrependimento, mas tenho orgulho da gente não ter desistido, como disse a Ágatha”, completa Luyara Franco, filha da vereadora.
Os familiares das vítimas agora anseiam pelo julgamento dos acusados de serem mandantes do crime: os irmãos Chiquinho e Domingos Brazão e Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro.
Marielle e Anderson foram executados em 14 de março de 2018, quando voltavam de uma agenda da vereadora do PSOL. Ela foi morta com três tiros na cabeça e um no pescoço. O motorista não resistiu a três tiros nas costas.
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