Imponentemente está estabelecido em nossa Carta Magna no art. 133 que
“O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
Fazendo uma rápida reflexão sob o dispositivo citado, nos questionamos: que limites são esses?
Como o assunto em pauta é a prisão em flagrante do advogado no exercício de seu mister, somente nele que nos atentaremos para que o foco não se disperse.
Pois bem, assim sendo, quando o advogado pode sofrer uma prisão em flagrante no exercício da profissão?
Encontramos a resposta, de forma clara e cristalina, no art. 7º, § 3º do Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB (Lei Federal nº 8.906/94) que dispõe:
“Art. 7º São direitos do advogado:
§ 3º O advogado somente poderá ser preso em flagrante, por motivo de exercício da profissão, em caso de crime inafiançável, observado o disposto no inciso IV deste artigo”.
Para que possamos compreender a real aplicação do dispositivo acima, precisamos saber quais os crimes que a lei estabelece como inafiançáveis, pois somente eles e, frisa-se, unicamente eles, quando cometidos no exercício da profissão, habilitam a prisão em flagrante do advogado.
Nossa Carta Magna de 1988 estabelece em seu art. 5º, incisos XLII, XLIII e XLIV os crimes inafiançáveis:
Art. 5º (...)
“XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;
XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”: (grifo nosso)
Dessa forma, o amparo constitucional é suma importância quando o advogado atua fora da zona de conforto e encontra-se diante de uma possível, por exemplo, violação de prerrogativa. Fazer valer um direito seu no exercício de sua profissão é um direito garantido por lei federal e assim deve ser respeitado.
Na prática, o que muito acontece quando o advogado faz valer suas prerrogativas de forma incisiva e segura, mostrando-se conhecedor daquilo que sustenta, logo surge algum tipo de cerceamento de atuação por parte da “autoridade” que está se debatendo a questão e, quase sempre, com a intimidação de voz de prisão, diga-se, em flagrante delito.
Para que consigamos compreender ainda mais o assunto aqui exposto, a CF/88 fala que a prisão em flagrante do advogado se dá, também, pelo cometimento de crimes tidos como hediondos (Lei. 8.072/90).
Que advogado cometerá um crime hediondo ou qualquer outro descrito como inafiançável (tortura, racismo - e não injúria racial -, terrorismo...) no exercício da profissão?
Parece-me fora da realidade imaginar um advogado cometendo alguns dos crimes inafiançáveis descritos quando exerce sua honrosa profissão.
Certo é que para toda regra existe uma exceção, porém, neste caso, enxergo uma exceção bem distante.
Esta reflexão deve ser feita com muita atenção, pois a temeridade da prisão em flagrante que padece alguns advogados quando estão exercendo sua profissão é real e constante, o que não deveria acontecer quando se tem o conhecimento constitucional e penal acerca do tema.
Nosso diploma processual penal, em seu art. 323, reitera o disposto na CF/88 estabelecendo os crimes que são inafiançáveis
“Art. 323. Não será concedida fiança:
I - nos crimes de racismo;
II - nos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos;
III - nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;”
Assim, com base constitucional, penal e processual penal afasta-se, por completo, o folclore da prisão em flagrante do advogado pelo crime de desacato, desobediência... Ou qualquer outro (cometido no exercício da profissão) que não seja inafiançável.
Apenas para complementar o tema, recomenda-se a leitura e estudo dos artigos 61 e 69 da Lei n.º 9.099/95 que tratam sobre as infrações penais de menor potencial ofensivo e do termo circunstanciado, respectivamente.
Jamais um profissional de tamanha importância deve ser privado de exercer o seu ofício por represálias ilegais, inexistentes no ordenamento jurídico ou, pior, criadas para a conveniência de alguma classe sem amparo legal.
Ainda, por fidelidade jurídica, ressalta-se que o advogado pode cometer crimes no exercício da profissão como qualquer outro profissional e responderá por isso na medida de sua responsabilidade, porém, a prisão em flagrante delito somente será legal quando fundamentada nos casos expressamente previstos em lei.
Como estamos abordando o § 3º do art. 7º do Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, devemos fazer menção, também, ao inciso IV do artigo supracitado, a saber:
“IV - ter a presença de representante da OAB, quando preso em flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia, para lavratura do auto respectivo, sob pena de nulidade e, nos demais casos, a comunicação expressa à seccional da OAB;”
Com base no dispositivo acima, sendo o flagrante legal ou ilegal (o que será apurado em cada caso concreto), o advogado tem o direito de ter um representante da OAB para acompanhar toda a situação que se encontra fortalecendo, ainda mais, o livre exercício da advocacia quando realizado dentro dos padrões éticos, morais e profissionais.
Corroborando todo o exposto quanto à liberdade de atuação profissional do advogado, dispõe o art. 31, §§ 1º e 2º da Lei 8.906/94:
“Art. 31. O advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia.
§ 1º O advogado, no exercício da profissão, deve manter independência em qualquer circunstância.
§ 2º Nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão.”
Por fim, sabendo o advogado desta importante prerrogativa estabelecida em lei federal, quando se ver diante de uma situação arbitrária no exercício da profissão, não deve nada temer e, se for o caso, buscar amparo no ordenamento jurídico para fazer valer um direito seu (e não um favor) como, por exemplo, na Lei nº 4.898/65 (abuso de autoridade), pois, conforme esta dispõe em seu art. 3º, j:
Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:
j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.
Nada é mais atentatório à justiça do que uma afronta às prerrogativas advocatícias!
“O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons”.
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