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Carlos Alberto Soares, o pai de Jeferson Soares; a prima, que não quis ser identificada, e o avô, avô, Raimundo Palmeira (Foto: Alexandre Lyrio | CORREIO) Carlos Alberto Soares, o pai de Jeferson Soares; a prima, que não quis ser identificada, e o avô, avô, Raimundo Palmeira (Foto: Alexandre Lyrio | CORREIO)

'Ele vivia com a bíblia debaixo do braço', diz pai de traficante; segundo parentes, ele vivia uma vida normal e religiosa antes de 'virar a cabeça'

O traficante Jeferson Palmeira Soares Santos, 30 anos, conhecido como Jel, morreu na noite deste sábado (14), em Salvador. Ele é acusado de ser o mandante da chacina dos quatro motoristas de aplicativos, na Mata Escura, na última sexta-feira (13). Jel teria sido assassinado por integrantes de uma facção rival.

Familiares de Jeferson confirmaram o envolvimento dele com o tráfico e relataram ter recebido fotos e vídeos dele sendo morto por supostos rivais um dia depois da chacina. Ao CORREIO, os parentes lamentaram o fato de ele ter se tornado criminoso, apesar de toda a educação que recebeu.

“Vivia com a bíblia debaixo do braço e quase vira pastor. Ia para a Igreja Batista da Mata Escura. Pregava bonito! Conhecia a palavra! As amizades ruins levaram para o mal caminho”, disse o pai de Jeferson, o autônomo Carlos Alberto Soares, 65 anos, que esteve com uma prima de Jeferson, que preferiu não revelar o nome, no Instituto Médico Legal Nina Rodrigues (IMLNR) nesse domingo (15).

O seu avô, Raimundo Palmeira, 78 anos, também foi reconhecer o corpo do neto no IML e destacou que ele vivia uma vida normal e religiosa antes de “virar a cabeça”. Segundo o avô, Jeferson era um homem trabalhador, bom cozinheiro e dedicado à igreja antes de “se desviar do caminho do bem”.

Anos atrás, Jeferson, que tinha 30 anos, teria trabalhado como serviços gerais e cozinheiro do Hospital Manoel Vitorino, em Nazaré. “Era trabalhador! Depois começou a se envolver, a ostentar, frequentar festa de paredão, postar foto com arma no WhattsApp”, contou a prima. “Ele começou a ficar famoso e ganhar dinheiro com os crimes. Aí subiu para a cabeça”, conta a prima. 

Apesar de terem ido reconhecer o corpo, até o início da tarde os familiares não tinham a confirmação oficial da morte de Jeferson. A Polícia Civil informou que o corpo que estava no IML ainda não havia sido identificado. Mas a família tinha certeza de sua morte. Até porque os homicidas de Jéferson fizeram questão fazer uma foto do rapaz rendido, com uma pistola apontada para seu rosto.

Em seguida, gravaram um vídeo executando-o em um matagal escuro. Especula-se também sobre a morte da mulher de Jéferson, conhecida como Jaqueline, que teria sido assassinada antes mesmo do traficante, logo depois das execuções dos motoristas de aplicativos. “Essa era a segunda mulher dele. Tinha dois filhos, mas não eram dele”, contou a prima. 

Avó passou mal
Não se tem ideia de onde Jeferson teria sido morto. “Só recebemos as fotos e os vídeos”, disse a prima. A família não chega a afirmar que ele foi o mandante da emboscada dos motoristas de aplicativo, mas o próprio avô do traficante confirma que a avó do rapaz (e não a mãe como inicialmente havia se especulado) passou mal na noite dos crimes. Ele teria recorrido a alguns aplicativos de transportes sem sucesso. 

O avô conta que, com a morte da mãe de Jeferson, vítima de câncer, os avós o criaram. Ultimamente, Jeferson circulava entre Santo Inácio e a casa dos avós, na Mata Escura. O pai mora próximo, no mesmo bairro. “Ele teve educação, sim! Nunca faltou nada! Não foi por falta de orientação. Tanto que os outros cinco irmãos vivem suas vidas normalmente. Um deles mora comigo e os outros têm suas famílias. De uma hora pra outra Jéferson virou a cabeça”, lamentou o pai.   

Os quatro motoristas de aplicativos foram encontrados mortos, com sinais de golpes de facão, na manhã de sexta-feira (13), na comunidade Paz e Vida, no bairro da Mata Escura. Os corpos foram encontrados enrolados em sacos plásticos, numa área de vegetação da localidade, a poucos metros de um barraco, onde as vítimas foram mantidas em cárcere privado, torturadas e depois executadas.

Os homens assassinados foram identificados como Alisson Silva Damascena dos Santos, 27, Daniel Santos da Silva, 30, Genivaldo da Silva Félix, 48, e Sávio da Silva Dias, 23. Segundo a polícia, eles são motoristas dos aplicativos Uber e 99. Um quinto motorista de aplicativo conseguiu escapar dos criminosos e relatou à polícia que todas as vítimas foram atraídas ao local para uma emboscada após atenderem ao chamado de duas travestis, que solicitaram as corridas para a comunidade.

O motorista que sobreviveu à chacina gravou áudios para relatar aos colegas de profissão a situação vivenciada no bairro da Mata Escura, onde ocorreu o crime. O conteúdo do depoimento enviado ao CORREIO foi confirmado como autêntico pela Associação de Motoristas Profissionais de Aplicativos da Bahia e pelo Sindicato dos Motoristas por Aplicativos e Condutores de Cooperativas do Estado da Bahia (Simactter).

No áudio, o condutor conta que está bem, mas com algumas escoriações. "Fala aí, meus irmãos. Estou bem, estou vivo, com algumas escoriações. Não tem novidade não... Todo dia eu falo para vocês que Jesus é maravilhoso, que ele sabe de todas as coisas. Se fosse minha hora, amém, mas não foi minha hora”, começa.

A vítima segue descrevendo detalhes dos minutos em que esteve sob poder dos criminosos e diz que além de ter sido amordaçado com fio de internet, teve os pés e mãos amarrados. “Ele falou para mim: ‘Você não vai morrer não. Agora quando eu falar já, é já. Se vire’”, relatou.

O sobrevivente continua falando ainda sobre as circunstâncias em que os outros quatro motoristas foram assassinados. “Os caras [criminosos] falaram que era sexta-feira 13 e que tinham que matar com requinte de crueldade, que tinham que derramar sangue. Cortaram os caras todo de facão e depois deram tiro. Feio, muito feio”, detalha. 

Num segundo áudio, chorando, a vítima lamenta a perda dos colegas. “Oh, irmão, não tinha necessidade de eles matarem ninguém, véi. Só levou tudo, não tinha necessidade, porra. Mataram quatro pais de família”. No terceiro áudio enviado aos amigos, o homem diz que “queria muito viver para contar essa história”. Ele acrescenta que chegou a ir ao Instituto Médico Legal (IML), onde encontrou a família de um dos colegas mortos. “É doloroso, você não sabe o que falar”, finaliza. Motoristas de Uber e 99 fizeram protesto no final da tarde em vários pontos de Salvador por conta da chacina.

Chacina
Quatro motoristas foram encontrados mortos, com sinais de golpes de facão, na manhã de sexta-feira (13), na comunidade Paz e Vida, no bairro da Mata Escura. Os corpos estavam enrolados em sacos plásticos, numa área de vegetação da localidade, a poucos metros de um barraco, onde as vítimas foram mantidas em cárcere privado, torturadas e depois executadas.

Um quinto motorista de aplicativo conseguiu escapar dos criminosos e relatou à polícia que todas as vítimas foram atraídas ao local para uma emboscada após atenderem ao chamado de duas travestis, que solicitaram as corridas para a comunidade. Lá, as vítimas foram rendidas uma a uma por três homens ainda não identificados.

Neste sábado, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) divulgou que um dos suspeitos de participação na chacina foi morto em confronto com a Polícia Militar na noite desta sexta-feira (13), em Itinga, bairro de Lauro de Freitas. A troca de tiros aconteceu entre policiais da 81ª Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM/Itinga) e três homens armados – o segundo também morreu e o terceiro conseguiu fugir.

Enterro
Enquanto Sávio da Silva Dias, 23, era velado no salão 4, o corpo de Daniel Santos da Silva, 32, recebia também as últimas homenagens no salão 5.  “Um dia antes de morrer, ele brincou comigo, me deu um abraço forte, como nunca havia feito, pois não era muito de demonstrar os sentimentos. Ele me abraçou como se estivesse se despedindo”, disse o irmão de Daniel, Edson Silva, enquanto recebia apoio de parentes e amigos. Os corpos foram enterrados a partir das 11h. 

Edson disse que estava com a família quando tomou conhecimento de que Daniel era uma das vítimas da chacina. “Estava com casa, brincando com o meu filho de um ano, quando vi pela TV a imagem do carro dele. Fiquei estático. Foi quando um outro irmão me ligou e tive a certeza de que Daniel era um dos mortos. Foi a pior notícia desse ano”, declarou, emocionado.

De acordo com ele, era a primeira corrida de Daniel. “Ele saiu de casa às 6h30, tinha recebido o primeiro chamado e não mais foi visto com vida”, disse Edson. Daniel morava em Fazenda Grande do Retiro e trabalhou como motorista de transporte alternativo. “Rodava em Topics fazendo linha no Largo do Tanque e começou a trabalhar há 15 dias como motorista de aplicativo”, disse.

Entre os amigos de Daniel abalados estava Afrânio Félix, 27, que também é motorista de aplicativo. Apesar de consternado, ele disse que o ofício já foi bom. “Logo no início, era mil maravilhas. Não havia violência. Só que os bandidos passaram a ter a gente também como alvos. Hoje, todo mundo que sair disso, mas quando vai ver a realidade da rua, desiste, porque o desemprego é grande. Isso não é um trabalho. É uma condição de sobrevivência”, declarou.

Afrânio também conhecia Sávio. “Era um menino do bem”, disse. Sávio morava no Conjunto Arvoredo, na Estradas das Barreira, no bairro do Cabula. “Cresceu com os meus filhos. Um rapaz que só tinha tamanho e por isso era muito ingênuo”, disse o aposentado Ronilson Ferreira de Oliveira, que, para complementar a renda, também trabalha como motorista de aplicativo.

Segundo ele, poderia estar no lugar de Sávio. “Somos vizinhos e, no dia, resolvi acordar mais tarde. Se tivesse levantado mais cedo, a corrida que o levou para morte cairia pra mim”, revelou.

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