Manifestantes serão recebidos na Secretaria da Segurança Pública da Bahia
Revoltados com a chacina na Mata Escura - onde quatro motoristas de aplicativos foram torturados e mortos - e com outros casos recentes de violência contra a categoria, profissionais vinculados a apps de transporte protestam na manhã desta segunda-feira (16) no Centro Administrativo do Estado da Bahia (CAB), em Salvador.
Eles se concentraram em frente à Assembleia Legislativa do estado (Alba) e seguiram as 9h em carreata para um encontro com o secretário da Segurança Pública da Bahia, Maurício Barbosa. A estimativa é de que 5 mil motoristas participam do ato.
Segundo a assessoria de comunicação da SSP, a reunião ocorre com o subsecretário da Segurança Pública Ary Pereira de Oliveira, o delegado-chefe da Polícia Civil Bernardino Brito e o comandante-geral da PM, Anselmo Brandão. Os detalhes não foram divulgados.
Entre as reivindicações da classe para as empresas está o fim da taxa de cancelamento. "Isso faz com que o motorista seja obrigado a atender chamados em área de risco sob penalidade de punição pelas empresas", declarou o presidente do Sindicato dos Motoristas por Aplicativos e Condutores de Cooperativas do Estado da Bahia (Simactter), Átila Santana.
A categoria quer também a implementação de um dispositivo de reconhecimento facial e uma delegacia especializada para atender as ocorrências dos motoristas de aplicativos e os taxistas. "A delegacia é reivindicação antiga dos taxistas que estamos pleteiando também. Motoristas de aplicativos e taxistas estamos juntos na causa", disse Átila.
Após o encontro com o Maurício Barbosa, os motoristas de aplicativo pretendem seguir em carreata até as sedes das empresas Uber, no bairro do Caminho das Árvors, e 99 Pop, na Avenida Tancredo Neves, em Salvador. "Vamos ocupar os prédios. Não vai ter essa de 'vou mandar para São Paulo ver'. Queremos nossa aprovação imediata ou caso contrário não vamos sair de lá e nem ninguem", declarou Átila.
Nos veículos usados pelos motoristas de aplicativo está escrito a palavra "luto". Um carro de som foi usado no trajeto até a sede da SSP para alertar as pessoas e trabalhadores do CAB quanto à insegurança da categoria.
Os quatro motoristas de aplicativos foram encontrados mortos, com sinais de golpes de facão, na manhã de sexta-feira (13), na comunidade Paz e Vida, na Mata Escura, em Salvador. Os corpos foram encontrados enrolados em sacos plásticos, numa área de vegetação da localidade, a poucos metros de um barraco, onde as vítimas foram mantidas em cárcere privado, torturadas e depois executadas.
Os homens assassinados foram identificados como Alisson Silva Damasceno dos Santos (27), Daniel Santos da Silva (30), Genivaldo da Silva Félix (48) e Sávio da Silva Dias (23). Segundo a polícia, eles são motoristas dos aplicativos Uber e 99.
Um quinto motorista de aplicativo conseguiu escapar dos criminosos e relatou à polícia que todas as vítimas foram atraídas ao local para uma emboscada após atenderem ao chamado de duas travestis, que solicitaram as corridas para a comunidade.
Criminosos
Durante o protesto, Átila disse que, além do traficante Jeferson, o Jel, apontado como o mandante da chacina, duas travestis envolvidas nas mortes dos motoristas de aplicativo foram assassinadas.
"A gente sabe que o tráfico manda no estado, no país, o próprio crime não admite isso porque são os motoristas de aplicativo que transportam os familiares deles. O próprio Jel foi executado por rivais e as duas travestis também foram abatidas pelo próprio crime. Já um outro bandido, que também participou da mataça, foi morto em confronto com a Polícia Militar em Itinga", declarou Átila.
Átila disse que o motorista sobrevivente lhe fez um relato de descaso em relação a uma das empresas que operam o serviço de motorista por aplicativo. "Recebi a ligação de Nivaldo dizendo que a 99 Pop não poderia ajudá-lo porque ele não morreu. Uma indenização de R$ 100 mil que não vale a vida de um trabalhador. Será que eles não perceberam cinco chamadas para um local de alta periculosidade. Não notaram isso?", disse.
Amparada por outros motoriatas de aplicativo, a mulher de Genivaldo, uma das vítimas da chacina, esteve também no protesto e também questionou por que a empresa não estranhou cinco chamadas consecutivas para um local perigoso.
"Ao meu ver é muito estranho. Como é que cinco chamadas para uma área de risco não chama a atenção deles? Isso tudo poderia ter sido evitado", disse ela, que preferiu não se identificar.
Ela disse que está sem dormir desde o dia e que uma das coisas que mais sente falta são os cuidados que Genivaldo tinha com ela. "Sempre atencioso, sorridente, me leva e busca do trabalho. Era muito carioso e me beijava todos os dias e mais de uma vez. É uma dor que só aumenta", desabafou.
Durante os poucos minutos que falou com a imprensa, era interrompida. "Meu sentimentos", disse um motorista de aplicativo à ela. "Se cuide. Tome cuidado. Veja como terminou o meu marido. Tome muito cuidado", respondeu ela, segurando a mão dele.
"Posso lhe dar um abraço", perguntou uma mulher, também motorista de aplicativo. Durante o abraço e lágrimas, a motorista sussurrou no ouvido da viúva. "Poderia ter sido eu ou qualquer outro aqui. Que Deus conforte seu coração", disse a mulher.
Chacina
O traficante Jeferson Palmeira Soares Santos, 30, suspeito de ser o mandante da chacina que resultou na morte de quatro motoristas de aplicativo foi assassinado sábado (14). Segundo a família, que foi reconhecer o corpo no Instituto Médico Legal Nina Rodrigues, o crime teria sido ação de uma fação rival. Isso porque receberam fotos e vídeos de Jeferson sendo agredido e morto por no dia seguinte à chacina.
Até pouco tempo, Jéferson era um homem trabalhador, bom cozinheiro e dedicado à igreja. Pelo menos, era assim que a família o via. “Isso antes de se desviar do caminho do bem, de virar a cabeça”, como relatou ao CORREIO nesse domingo o seu avô, Raimundo Palmeira, 78 anos, quando foi reconhecer o corpo do neto.
O pai do criminoso, o autônomo Carlos Alberto Soares, 65 anos, e uma prima, que preferiu não revelar o nome, também estiveram no IML e confirmaram o envolvimento dele com o tráfico.
Mesmo com a notícia do fim de Jeferson, os parentes lamentavam, acima de tudo, o fato de ele ter se tornado criminoso, apesar de toda a educação que recebeu. “Vivia com a Bíblia debaixo do braço e quase vira pastor. Ia para a Igreja Batista da Mata Escura. Pregava bonito! Conhecia a palavra! As amizades ruins levaram ele para o mal caminho”, disse o pai.
De acordo com informação dos familiares, antes de se meter no tráfico, Jeferson teria trabalhado como auxiliar de serviços gerais e cozinheiro do Hospital Manoel Vitorino, em Nazaré. “Depois, começou a se envolver, a ostentar, frequentar festa de paredão, postar foto com arma no WhattsApp”, contou a prima. “Ele começou a ficar famoso e ganhar dinheiro. Aí subiu para a cabeça”, completa.
Apesar de terem ido reconhecer o corpo, até o início da tarde de ontem os familiares não tinham a confirmação oficial da morte de Jeferson. A Polícia Civil informou que o corpo que estava no IML ainda não havia sido identificado.
Mas a família tinha certeza de sua morte. Até porque os homicidas de Jeferson fizeram questão de fazer uma foto dele rendido, com uma pistola apontada para seu rosto. Em seguida, gravaram um vídeo executando-o em um matagal escuro.
Especula-se também sobre a morte da mulher de Jeferson, conhecida como Jaqueline, que teria sido assassinada antes mesmo do traficante, logo depois das execuções dos motoristas de aplicativos. “Essa era a segunda mulher dele. Tinha dois filhos, mas não eram dele”, contou a prima.
Não se tem ideia de onde Jeferson teria sido morto. “Só recebemos as fotos e os vídeos”, disse a prima. A família não chega a afirmar que ele foi o mandante da emboscada dos motoristas de aplicativo, mas o próprio avô do traficante confirma que a avó do rapaz (e não a mãe como inicialmente havia se especulado) passou mal na noite dos crimes. E ele teria recorrido a alguns aplicativos de transportes sem sucesso. Este, teria sido o motivo dos crimes
Raimundo Palmeira conta que, com a morte da mãe de Jeferson, vítima de câncer, os avós o criaram. Ultimamente, ele circulava entre a localidade Paz e Bem, no Santo Inácio, e a casa dos avós, na Mata Escura. O pai mora próximo, no mesmo bairro. “Ele teve educação, sim! Nunca faltou nada! Não foi por falta de orientação. Tanto que os outros cinco irmãos vivem suas vidas normalmente. Um deles mora comigo e os outros têm suas famílias. De uma hora pra outra, Jeferson virou a cabeça”, lamentou o pai.
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