O ápice foi em 1974, quando explodiu em todo o Brasil. Cássio de Moraes relembra: 'Só em 1974, no município de São Paulo, foram 12.330 casos e cerca de 900 óbitos'.
Meningite é uma inflamação das meninges, as membranas que recobrem o cérebro e a medula espinhal no interior da coluna vertebral. É causada principalmente por agentes infecciosos – bactérias, vírus e fungos. Portanto, há meningites bacterianas, virais e fúngicas.
De tempos em tempos, a doença entra em evidência, especialmente a meningocócica, causada pela bactéria Neisseria meningitidis, ou meningococo.
Em 1971, nas áreas mais pobres da cidade de São Paulo, eclodiu uma epidemia.
O Brasil vivia o período mais violento da ditadura militar. No comando do governo, o general Emílio Garrastazu Médici.
Foi a época do “milagre econômico” e o auge da repressão, da tortura e da censura nas artes (música, teatro, cinema, literatura), televisão e imprensa.
“As autoridades consideravam a epidemia um fracasso. Logo, empanava o brilho do ‘milagre econômico’. Por isso, optaram por negá-la’’, observa o médico epidemiologista José Cássio de Moraes, professor-adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, em entrevista exclusiva ao Viomundo, em 2009 (reproduzida na íntegra, ao final).
Em português claro: esconderam da população.
Para isso, os médicos foram proibidos de dar entrevistas sobre o assunto e a imprensa, de noticiar.
Em Surto de meningite e as lições de Stalin, publicado no Observatório da Imprensa de 6 de janeiro de 2015, Observatório da Imprensa, o jornalista João Batista de Abreu, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), afirma:
Partia-se do princípio de que quanto menos a população civil soubesse sobre a dimensão do perigo, menor seriam as consequências para a ordem política e as cobranças por medidas eficazes.
Para estes generais e coronéis no poder – e nunca é demais lembrar, também aos civis que se prestavam a este serviço nos órgãos de censura – , o controle da informação se sobrepunha ao controle da meningite.
Resultado: a doença foi se espalhando, sem que a população tivesse qualquer ideia sobre o risco que corria.
Das zonas mais pobres da cidade de São Paulo, a epidemia de meningite meningocócica avançou para as áreas mais ricas da capital. Depois, para outras regiões do Estado.
Daí, se alastrou para o restante do País.
O ápice foi em 1974, quando explodiu em todo o Brasil.
Cássio de Moraes relembra: “Só em 1974, no município de São Paulo, foram 12.330 casos e cerca de 900 óbitos”.
Na última sexta-feira, 1º de março de 2019, a meningite meningocócica voltou tragicamente ao noticiário.
Causou a morte de Arthur de Araújo Lula da Silva, 7 anos, neto do ex-presidente Lula.
Arthur deu entrada no hospital às 7h20 com “quadro instável”, e faleceu às 12h11 devido a “agravamento do quadro infeccioso de meningite meningocócica”, segundo o boletim médico.
Ou seja, em cinco horas ele foi a óbito.
Em 2018, segundo dados do Ministério da Saúde, foram notificados notificados no Brasil 1.072 casos de doença meningocócica e 218 mortes. Em 2017, 1.138 e 266, respectivamente.
Nós entrevistamos o professor Eitan Berezin, chefe de infectologia Pediátrica da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e médico do Hospital Emílio Ribas, sobre essa doença que tirando o sono de muitos pais e avós.
Blog da Saúde — A meningite meningocócica pode ser tão fulminante?
Eitan Berezin – Infelizmente, a doença meningocócica tem essa característica mesmo. Ela pode se manifestar como uma meningite clássica que, por incrível que pareça, acaba não sendo a forma mais grave dela.
A forma mais grave são as sépticas, repentinas, de evolução muito rápida.
Blog da Saúde – Em que elas se diferenciam?
Eitan Berezin – O meningococo, quando vence as defesas do organismo, tende a se alojar nas meninges que inflamam, podem produzir pus e a infecção se espalhar por todo o sistema nervoso central, ou seja, cérebro e medula espinhal.
Essa é a forma clássica. Os sintomas característicos iniciais são fraqueza – a criança fica largada –, dor de cabeça, vômitos, febre alta e rigidez da nuca.
Na presença desses sintomas, deve-se buscar rápido um pronto-socorro.
Caso se confirme o diagnóstico, iniciar imediatamente o tratamento com antibióticos para deter a evolução do processo.
O diagnóstico precoce e o início imediato do tratamento são fundamentais para controlar a evolução da doença.
Blog da Saúde – A forma clássica pode matar?
Eitan Berezin – Se não tratada logo que os primeiros sintomas aparecem, pode levar à morte entre 24 e 48 horas. Infelizmente, em nosso meio, a letalidade ainda é bastante elevada, situando-se em torno de 18% a 20%.
A demora no diagnóstico e no início do tratamento também aumenta o risco de sequelas graves, como surdez, alterações de visão e necrose de extremidade de membro inferior, que exige amputação.
Blog da Saúde – Ao se referir à forma grave, séptica, o senhor disse que a evolução é muito rápida. O que significa muito rápida?
Eitan Berezin — Pode levar à morte em 6 a 12 horas. Antes mesmo de se instalar nas meninges, a bactéria às vezes prefere a circulação e causa sepse, ou septicemia, que é infecção generalizada.
Quando isso acontece, ocorrem hemorragias, inclusive na pele.
O corpo fica todo pintado de manchas vermelhas: rosto, pálpebras, braços, pernas, olhos.
Essas manchas vermelhas indicam que há uma grande quantidade de bactérias no sangue, liberando cada vez mais toxinas na circulação.
Isso é o que chamamos septicemia, ou sepse. É muito grave, pois faz a pressão arterial cair rapidamente e a pessoa entrar em choque séptico.
Por isso é tão apavorante. Provavelmente foi o que aconteceu com o Arthur.
Blog da Saúde — Quando se tem o choque séptico é possível reverter o quadro?
Eitan Berezin – É, você precisa de terapia intensiva e de uma série de recursos. Só que, mesmo tendo todas as condições, muitas vezes não se consegue interromper o processo e o paciente vai a óbito. O índice de mortalidade chega a quase 50% dos casos.
Blog da Saúde – A forma clássica também dá choque séptico?
Eitan Berezin – Geralmente, não. A manifestação da doença meningocócica rápida é que leva a esse choque.
Blog da Saúde – Que outras bactérias podem causar meningite?
Eitan Berezin — As principais bactérias causadoras de meningite são, além dos meningococos, os pneumococos e haemophilus influenzae tipo b
Elas também são graves e exigem tratamento urgente e rigoroso com antibióticos.
Blog da Saúde – Qual a meningite mais frequente no Brasil?
Eitan Berezin – A causada pela bactéria Neisseria meningitidis.
Há 12 subtipos diferentes, podemos destacar seis: A, B, C, Y, X, W-135, que são os responsáveis pela maior repercussão clínica.
No Brasil, o sorogrupo C é o mais frequente. Representa 70% dos casos de meningite meningocócica.
Em seguida, vem a doença meningocócica pelo sorogrupo B; é a segunda mais frequente.
Atualmente, devido à vacina contra C estar disponível na rede pública, o sorogrupo B é o mais importante entre as crianças abaixo de cinco anos de idade.
Blog da Saúde – Como se dá a transmissão dessa bactéria?
Eitan Berezin — A Neisseria meningitidis é um patógeno exclusivamente humano e com alto poder de disseminação.
A transmissão, assim como das demais meningites bacterianas, é por via respiratória.
Geralmente, as bactérias se espalham de uma pessoa para outra por meio das vias respiratórias, por gotículas e secreções do nariz e garganta.
A infecção se inicia pela colonização da nasofaringe [parte da faringe que se situa logo atrás do nariz] e, a partir daí, a bactéria cai na circulação e dissemina no corpo.
Algumas pessoas podem ter essas bactérias na garganta sem estarem doentes. São as chamadas de “portadoras”.
A maioria dos portadores não adoece, mesmo assim pode espalhar as bactérias para outras pessoas.
Blog da Saúde – Então, o Arthur deve ter tido contato com algum portador?
Eitan Berezin – Certamente. Mas, como a maioria dos portadores não tem sintomas, essa pessoa não sabia que tinha a bactéria. Cerca de 50% da população pode ser portadora em algum momento da vida.
Blog da Saúde – Quem mora na casa ou estuda na sala de aula de alguém com meningite meningocócica confirmada precisa ser tratado?
Eitan Berezin – Se a pessoa tem contato muito próximo, demorado, sim. Precisa fazer profilaxia com antibióticos, como a rifampicina.
Blog da Saúde – O que faz com que uma pessoa tenha a bactéria e adoeça e outras não?
Eitan Berezin – A própria imunidade de cada um.
Blog da Saúde – Em que faixa etária a meningite meningocócica é mais comum?
Eitan Berezin – Pode ocorrer em pessoas de todas as faixas etárias, porém aproximadamente 50% dos casos notificados no País ocorrem em crianças menores de 5 anos de idade, especialmente no primeiro ano de vida.
Enquanto em outros países, particularmente nos Estados Unidos, os adolescentes são o grupo mais suscetível, no Brasil são as crianças
Blog da Saúde – Quem pode ter meningite meningocócica?
Eitan Berezin – Qualquer pessoa que não tenha sido vacinada.
Blog da Saúde – Atualmente, que vacinas existem contra a meningite meningocócica?
Eitan Berezin – Para os tipos C, B e uma que combina ACWY, chamada de quadrivalente.
Blog da Saúde – Dessas qual tem no SUS?
Eitan Berezin – O tipo C, que é o mais frequente na população brasileira. Está disponível gratuitamente em todos os postos de saúde da rede pública.
Importante: a vacina meningocócica C foi incluída no calendário nacional de imunização em 2010. Desde então, houve redução drástica da taxa desse tipo de meningite no Brasil.
A meningocócica tipo B e a quadrivalente só em clínicas privadas.
Blog da Saúde – Quantas doses são preconizadas de cada uma delas?
Eitan Berezin – Meningocócica C: 1ª dose, aos 2 meses de vida; a 2ª, aos 5 meses; aos 12 meses, uma dose de reforço. O objetivo é prevenir a doença meningocócica tipo C.
Depois, dos 11 aos 14 anos, nova dose reforço ou dose única, caso não tenha sido imunizado no primeiro ano de vida. É para prevenir a doença invasiva causada pela bactéria Neisseria meningitidis do sorogrupo C
Já vacina meningocócica ACWY, cujo objetivo é prevenir a doença meningocócica dos tipos A, C, W e Y, são quatro doses: 1ª, aos 3 meses de idade; 2ª, aos 5 meses; 3ª, aos 7 meses; 4ª, aos 12 meses
Depois, duas doses de reforço: aos 5 anos e entre 11 a 14 anos.
Já a vacina meningocócica B são três doses: 1ª, aos 3 meses de idade; 2ª, aos 5 meses; 3ª, aos 7 meses. Aos 12 meses, uma dose reforço.
O melhor, se for possível, é imunizar a criança contra todos os tipos.
O problema é que o preço elevado das vacinas meningocócicas B e quadrivalente é proibitivo para a maior parte da população brasileira.
Blog da Saúde – Qual a eficácia delas?
Eitan Berezin — Chegam a 90% de proteção. Agora, para atingir essa eficácia, é fundamental tomar todas as doses previstas.
Blog da Saúde – Ou seja, mesmo tomando as vacinas há risco de ter a doença meningocócica?
Eitan Berezin – Não existe vacina 100% eficaz. Sempre há uma taxa de escape. Mas tem que vacinar, sim.
Blog da Saúde – O que o senhor diria mais aos pais, avós?
Eitan Berezin – A meningite meningocócica é uma doença infectocontagiosa. Ela normalmente é transmitida por alguém que tem a bactéria na garganta e não tem sintoma da doença, logo não sabe.
Por isso, é fundamental manter a carteira de vacinação em dia.
E se, de repente, a criança tiver febre alta, dor de cabeça, vômitos, ficar largada, procure rápido atendimento médico.
Quanto mais precoces o diagnóstico e o início do tratamento com antibióticos e outros medicamentos, maiores as chances de a criança evoluir bem e ficar sem sequelas.
Blog de Saúde – E de repente começar a aparecer pintinhas vermelhas no corpo?
Eitan Berezin – Voe para emergência. Sinal de alerta máximo.
Veja também:
A morte do inocente neto de Lula soltou os monstros do ódio
'Posando de coitado', diz Eduardo Bolsonaro sobre ida de Lula ao enterro de neto
Lula deixa velório do neto em São Bernardo após cerimônia de cremação
Lula deixa carceragem da Polícia Federal para ir a velório de neto
Avião cedido - Justiça libera ex-presidente para ir a enterro de neto; entenda o caso
Justiça autoriza ida de Lula ao velório do neto em São Paulo
Neto de 7 anos do ex-presidente Lula, morre de meningite bacteriana em SP
Defesa de Lula aponta erros absurdos da nova condenação
Lula desiste de ir ao enterro do irmão após permissão em cima da hora
Lula recorre ao Supremo para ir ao velório do irmão; Toffoli decide
TRF-4 nega recurso para Lula ir ao velório do irmão
Morre Vavá, irmão de Lula morre; ex-presidente quer ir ao velório
Clique aqui e siga-nos no Facebook
< Anterior | Próximo > |
---|