Rogaciano Medeiros, jornalista e membro do movimento Comunicação pela Democracia
Inegavelmente escrito com o ventre e amparado pelos muitos anos de experiência na mídia política no cenário municipal, estadual e federal, o jornalista Rogaciano Medeiros, duma forma perfeita, que nós do Camaçari Fatos e Fotos (CFF) diríamos até que com precisão cirúrgica, nos traz a imagem final (a qual não está longe de mostrar o corpo pela cara que já se vê) do retrato que se desenha, à parte da suposta religião, na política, na economia e na democracia do país, com a gestão do presidente Jair Messias Bolsonaro. Vale a leitura:
“Luz na escuridão”
Rogaciano Medeiros *
Ao longo da história da humanidade, marcada por ferro, fogo, conquistas, dominação, poder e ferrenhas lutas por independência e liberdade, as idéias sempre foram um dos principais condutores dos rumos da história. Inclusive, muitos autores e teorias sugerem que o pensamento só se concretiza na ação. Portanto, nunca se deve menosprezar e, pior ainda, desprezar aquilo que um homem ou um conjunto de homens pensa e, consequentemente, faz.
Desde 2014, a partir de quando se dá a agudização da crise política e econômica, fabricada acima de tudo pela reação violenta da direita e da extrema direita à quarta derrota seguida nas urnas para as forças progressistas e democráticas, muitos cientistas políticos, sociólogos, juristas, jornalistas e estudiosos já chamavam a atenção para o perigoso avanço das idéias reacionárias e fascistas.
Todos os alertas de então condenavam a exaltação ao preconceito e ao ódio feito sistematicamente pelo então deputado Jair Bolsonaro. Mas, o sistema, controlado majoritariamente pelos segmentos conservadores e ultraconservadores, optou pela omissão. Via no discurso raivoso do parlamentar um instrumento de desgaste e demonização de Lula e Dilma, do PT e das esquerdas. Estimuladas, as idéias neofascistas cresceram, ganharam pernas, musculatura e alcançaram o plano da ação.
Na eleição presidencial do ano passado, sem uma candidatura competitiva, as elites, no desespero insano pela reconquista do poder central, optaram pelo apoio ao candidato da extrema direita, segundo colocado nas pesquisas mas provável presidente eleito, pois as cartas já estavam marcadas para a inabilitação do líder disparado na vontade popular. Não deu outra, o juiz Sérgio Moro, hoje ministro do governo, condenou Lula sem provas, o tirou da disputa e facilitou a vitória do capitão ultraconservador.
Acontece que o plano saiu do controle. A criatura engoliu o criador. Agora, as elites não sabem direito o que fazer para domá-lo. Hoje, sem dúvida, o poder emana da caserna, que tem força suficiente para enquadrar o capitão trapalhão e até certo ponto o tem enquadrado um pouco, enquanto, está evidente, busca uma forma definitiva de afastá-lo de vez das decisões de governança e governabilidade sem causar um rebuliço institucional.
Só não enxerga quem não quer. O apoio das elites liberais, da centro-direita, a Bolsonaro custou a transferência do poder, da esfera civil para militar. Onde e quando isso vai acabar é uma incógnita. No excelente livro sob o título Como as democracias morrem, recém lançado, fruto de 20 anos de estudos dos professores Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, da Universidade de Harvard, Estados Unidos, eles concluem que às elites políticas cabe o papel principal da defesa e aperfeiçoamento do processo democrático e não ao povo como se imagina.
Só que as elites nacionais nunca se preocuparam com a democracia. Pelo contrário, sempre foram radicalmente autoritárias, obtusas e entreguistas. Agora, começam a notar o equívoco cometido e buscam um artifício, um arranjo por cima. Até porque, como se não bastasse o obscurantismo na ciência e nas artes, o fundamentalismo religioso, o falso moralismo, o preconceito e a discriminação do clã Bolsonaro e fanáticos seguidores ameaçam até mesmo a implantação da agenda ultraliberal, motivo maior e principal da ruptura institucional de 2016 e das seguidas violações ao Estado democrático de direito.
O drama brasileiro de hoje faz lembrar a Europa na primeira metade do século passado, no entre guerras, quando a profunda crise econômica, política, ideológica e moral produziu duas das maiores tragédias humanas. Assim como acontece hoje no Brasil, a burguesia européia e mundial de então sabia que estava brincando com fogo, mas acreditou que o fascismo e o nazismo, em ascensão, pudessem conter o avanço do socialismo e da União Soviética. Deu no que deu. A II Guerra Mundial causou quase 50 milhões de mortes, 26 milhões na URSS, país com mais mortos. Só nos campos de concentração nazistas morreram 6 milhões de judeus. No final, o capitalismo precisou do exército soviético para derrotar os monstros que criou.
As manifestações de ódio e bestialidade, inclusive do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente, ao ponto de comemorar a morte do garoto Arthur, de apenas 7 anos, pelo simples fato de ser neto de Lula, somadas à postagem obscena do pai presidente, acendem a luz vermelha. O monstro neofascista começa a assustar até mesmo segmentos das elites que apoiam o governo.
A sociedade está doente e o único remédio para curá-la são doses cavalares, intravenosas, de democracia, republicanismo, civilidade, fraternidade, solidariedade, de respeito às leis, aos direitos humanos e civis. É assim que se combate a nova versão do fascismo, que substitui o nacionalismo exacerbado pelo despotismo de mercado. Luz na escuridão.
* Rogaciano Medeiros, jornalista e membro do movimento Comunicação pela Democracia.
Outro textos do autor:
Rogaciano Medeiros, "Sem Lula, o PT perde a preferência"
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