(Foto: Reprodução)
Em 6 de janeiro de 1941, o presidente norte-americano Franklin Roosevelt proferiu um discurso que saiu do papel para entrar para a história: “uma nação livre tem o direito de esperar cooperação total de todos os grupos”, e de “assegurar quatro liberdades humanas essenciais” – a de expressão, a de religião, a de carência, e a do medo. A liberdade de carência, assim definiu, “significa assegurar condições econômicas que permitirão a todas as nações uma vida saudável e de paz para seus habitantes, em todos os lugares do mundo”.
Com o fim da segunda guerra mundial e o início do maniqueísmo da guerra fria, as palavras de Roosevelt inspiravam as Nações Unidas a aprovar a Declaração Universal dos Direitos Humanos. O texto, que completará 70 anos em dezembro, estabelecia o vínculo biunívoco entre paz e desenvolvimento que segue norteando os rumos da comunidade internacional à luz da Agenda 2030.
A 12 anos de chegarmos a essa data, fruto de decisão por consenso da comunidade internacional em 2015, façamos uma reflexão: em que mundo vivemos hoje? É possível realmente atingir os objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS)?"
A cultuada globalização parece ter chegado a um limite que tem tornado céticas as grandes potências em relação às benfeitorias do multilateralismo. A julgar pelos primeiros discursos da abertura da 73ª sessão da Assembleia Geral da ONU, na semana passada, o descrédito a instituições e organizações internacionais tem dado uma tônica perigosa ao cumprimento dessa agenda e, por conseguinte, ao futuro da humanidade.
Encerrado o primeiro turno das eleições, os brasileiros irão novamente às urnas no fim do mês para escolher o país que pretendem ver nos quatro, ou talvez oito, próximos anos. Isso significa entregar o bastão para o presidente que irá decidir os rumos da nação no campo do desenvolvimento sustentável, da paz duradoura, da equidade de gênero, da política de segurança alimentar, das mudanças climáticas, das políticas migratórias, da cooperação sul-sul – enfim, na sua projeção como ator proeminente no cenário internacional.
O próximo presidente terá de saber lidar com o desafio de cumprir os ODS fortalecendo as relações e mantendo diálogo construtivo com países vizinhos e de outros continentes, consolidando atuações nos organismos internacionais e incrementando parcerias com as entidades internacionais não-estatais, como sociedade civil e setor privado.
Hoje, a FAO está focada em apoiar, dialogar e trabalhar com todos os governos de seus Estados Membros, independentemente de afiliação política ou modelo de gestão. Não somos uma organização política – apenas provemos as condições para os países que querem tanto receber quanto oferecer ajuda nas áreas de nosso mandato. No entanto, é importante observar que a grandiosidade de um país e o seu status perante a comunidade internacional se medem pela sua visão em promover a “vida saudável e de paz” em prol do desenvolvimento, como dizia Roosevelt em tempos de guerra.
O comando do Brasil do futuro está sendo disputado entre dois políticos relativamente novos no mais alto cenário nacional, tidos como representantes extremos de duas visões distintas. Uma delas reforça o discurso da segregação, do isolacionismo e da refutação ao multilateralismo, que ameaça até mesmo deixar o sistema das Nações Unidas. A outra visão retoma o passado recente de um país que, reconhecidamente, “assegurou as condições econômicas” que garantiram a redução da pobreza extrema e a erradicação da fome de sua população e que tratou de levar esse exemplo bem-sucedido a outras partes do mundo.
Nos Estados Unidos dos anos 40, o discurso de Roosevelt inspirou os norte-americanos a acreditarem firmemente na importância da paz para o desenvolvimento. No Brasil de hoje, qualquer que seja o resultado das eleições que se avizinham, é necessário buscar um caminho de paz e de reconciliação. Essa reconciliação não se fará sem a presença daqueles que sempre foram os excluídos e que viram na oportunidade de ter em um de seus representantes no governo a mesma visão daquele Roosevelt em meio à segunda guerra mundial.
José Graziano da Silva é diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO)
Clique aqui e siga-nos no Facebook
< Anterior | Próximo > |
---|