Fernando Brito: 'Volto a quem importa, aos que desfilam sua pobreza e sua esperança diante dos palácios dos senhores bem-postos, que não saem à rua numa cidade sem esquina e cheias de garagens privativas, nos subsolos'
Vejo as fotos da marcha em favor do registro da candidatura Lula no Facebook – pois os jornais não se dignam a registrar, salvo por alguma desgraça que aconteça por ali.
Gente, muita gente, a serpentear sobre a grama seca de uma Brasília seca, onde esta época anda-se com uma garrafinha d’água que imita os odres e cantis os da Legião Estrangeira às beiradas do Saara.
Em geral, os saúdam, dizem ter vontade de estar ali com eles, lamentam não poderem ir.
Outros, porém, , cheios de ódio, têm um argumento-padrão: é dia de semana, deveriam estar trabalhando e são, portanto, “mortadelas”, “vagabundos”, etc…
Curioso, em pleno horário comercial, dedicam-se a xeretar as publicações alheias e não à dura labuta de serem, como dizem, os que trabalham e carregam o país às costas, com seus impostos.
Volto a quem importa, aos que desfilam sua pobreza e sua esperança diante dos palácios dos senhores bem-postos, que não saem à rua numa cidade sem esquina e cheias de garagens privativas, nos subsolos.
Eles deveriam ser invisíveis – e em parte o são, porque só a outros a TV multiplica a presença, com transmissões “ao vivo” e o tradicional “famílias inteiras enchem a Avenida Paulista”.
Quando aparecem, são ofensivos, são marginais, são desocupados. São tratados nestes dias com a brutalidade com que os tratam todos os dias.
Deveriam estar nas fábricas, nas lavouras, nos escritórios, onde só, há tempos, se demite.
Deveriam estar quietos na calçada, como camelôs e indigentes, aproveitando a tranquilidade dos momentos em que o “rapa” e a “assistência social”, com seus jatos d’água, estão no almoço.
Aliás, eles próprios deveriam estar almoçando e quem sabe o farão, em barracas, com pratos esticados para pegar a gororoba com que, certamente, “os estão corrompendo”, enquanto o filé da Fiesp para o MBL é uma digna “cortesia”.
Os homens do poder não chegam à janela para ver os pobres senão com medo, medo e asco.
Um velho amigo envia-me um texto do escritor moçambicano Mia Couto:
A maior desgraça de uma nação pobre é que, em vez de produzir riqueza, produz ricos. Mas ricos sem riqueza. Na realidade, melhor seria chamá-los não de ricos mas de endinheirados. Rico é quem possui meios de produção. Rico é quem gera dinheiro e dá emprego. Endinheirado é quem simplesmente tem dinheiro. Ou que pensa que tem. Porque, na realidade, o dinheiro é que o tem a ele.
Mas eles têm outras coisas. Têm a lei, que é lida com os olhos dos endinheirados que a aplicam. Têm os políticos, eleitos pelo dinheiro. Têm os sábios homens da imprensa, que querem estar nos mesmos salões, nos mesmos restaurantes, nos mesmos mundos que eles e não serem Emile Zola ou John Reed e partilharem a poeira dos fatos para saber e sentir como os fatos são.
Eles não vão às janelas, mas o mundo, lá fora, continua a existir, quente, empoeirado e seco, embora não o respirem.
Como não respiram o sentimento daquela gente e de milhões de gentes que, por toda a parte, teimam em resistir com Lula, como a vegetação do cerrado resiste à seca e ao ódio.
Não conseguem ver que só existem procissões quando existem mártires, que só existem mártires quando se praticam injustiças e que só existem injustiças quando não nos reconhecemos como iguais.
Algo que jamais admitirão que aquela gente rota, de pele crestada pelo sol e de rosto curtido pela dureza da vida é igual, senão melhor, do que eles próprios.
Afinal, aqueles não têm nada e querem só um pouco. E eles têm, como sempre tiveram, muito, mas não abrem mão de ter tudo para si.
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