'O Brasil caminha, a passos largos, para o autoritarismo' (Foto: Reprodução)
Os sinais são claros. Só não enxerga quem não quer, por conveniência e oportunismo, ou então porque não pode, pois lhe são negadas as condições essenciais para uma melhor compreensão da conjuntura política e econômica brasileira. Seja pela dura luta cotidiana para garantir a sobrevivência, que ocupa todo o tempo, e/ou iludido por uma narrativa distorcida, forjada pelos meios de comunicação comprometidos com a agenda ultraliberal e pelas falsas notícias que predominam nas redes sociais, cujos objetivos são justamente confundir, tumultuar, tirar de tempo.
O Brasil caminha, a passos largos, para o autoritarismo. O regime endurece em ritmo acelerado, a cada medida tomada pelo governo e a cada declaração de Bolsonaro. A palavra tem poder, influencia e muito, portanto não se deve subestimar as falas do presidente, considerando-as simplesmente bestiais e insanas. Realmente são, mas produzem efeitos concretos no imaginário da sociedade e estimulam iniciativas e ações de poderosos grupos organizados que se aproveitam da bagunça institucional para multiplicar lucros através de negociatas inescrupulosas contra o país e a nação.
O crescimento assustador do desmatamento, das invasões de terras indígenas por mineradoras e de quilombolas por grileiros, sempre seguidas de assassinatos, o aumento do feminicídio, da homofobia e da violência policial são reflexos também das atitudes e opiniões emitidas pelo presidente da República. Bolsonaro faz questão de se posicionar contra a preservação do meio ambiente, contra os direitos humanos e civis, defende a tortura, a posse e o porte de arma. Sem falar que não perde oportunidade para posar fazendo arminha, da militarização do governo e das medidas adotadas para o fortalecimento do Estado policial.
Muitos analistas, cientistas sociais, juristas e jornalistas classificam o governo Bolsonaro como protofascista, que significa o estágio inicial, quando são criadas as condições objetivas para a efetivação do fascismo. Inclusive, no mês passado, de passagem pelo Rio de Janeiro para participação em um evento, o brilhante sociólogo espanhol Manuel Castells disse que o Brasil está entrando em uma “ditadura sutil”, própria da era da informática.
Indiscutivelmente, uma opinião altamente qualificada. Ele é autor do livro “A sociedade em rede”, no qual mostra como o capitalismo financeiro se apoderou das novas tecnologias de informação e comunicação, usando-as como ferramentas implacáveis de dominação, poder e maximização dos lucros. Também recorre ao que chama de “capitalismo informacional”, para explicar a supervalorização das redes sociais, a alienação pelo consumo, a otimização dos indivíduos e a imposição de uma sociedade robotizada. Bem ao estilo da tese do “Homem Massa”, do filósofo mexicano José Ortega y Gasset.
Não em vão, as fake news, ou seja, as notícias falsas, passaram a ganhar tamanha importância, a impactar tanto na cultura, nos valores morais, na ética, também na governança, na governabilidade e, principalmente, nos resultados eleitorais. No Brasil, em dose cavalar, mas tem sido um processo que acontece no mundo todo. A jornalista Michiko Kakutani, que faz crítica literária para o New York Times, tem um livro excelente, intitulado “A morte da verdade”, que trata exatamente da exacerbação do relativismo e da subjetividade predominantes na contemporaneidade, ao ponto de produzir aberrações tipo a afirmação de que a terra é plana. Ou, no caso brasileiro, de negar a ditadura civil militar (1964-1985), as torturas, os desaparecimentos, os sequestros e os assassinatos patrocinados pelo Estado.
As novas formas de afirmação e reprodução do capital já não necessitam mais daquele modelo clássico de ditadura baseado na ocupação militar, nos tanques e fuzis, no fechamento do Parlamento e do Supremo, para sufocar resistências à domesticação. Prática do passado. Agora, a dinâmica é outra. As instituições do aparelho estatal são capturadas pelas elites nativas associadas, que as mantêm funcionando, a fim justamente de usá-las para manipular a interpretação e aplicação das leis, para destruir reputações, eliminar inimigos políticos, demonizar partidos, lideranças e até ideias, além, claro, de ganhar eleições. É o que os norte-americanos chamam de lawfare. Dá a falsa sensação de que o regime é democrático. Por isso Manuel Castells chama de “ditadura sutil”.
O capitalismo financeiro, ao contrário do capitalismo industrial, não precisa da democracia. Muito pelo contrário, necessita do Estado de exceção para sobreviver. O tal ultraliberalismo de agora, que opera à base do “nós e eles” - quem fizer qualquer crítica é inimigo e precisa ser eliminado -, que nega os mínimos direitos e suprime as mais elementares liberdades, é bem pior do que o neoliberalismo, que apesar da defesa do Estado mínimo, se orientava pelo respeito às leis, admitia a diversidade e o contraditório. Aliás, na fase neoliberal prosperaram e se efetivaram importantes conquistas identitárias, em nível nacional e internacional.
Mundialmente, o capitalismo financeiro fortaleceu as forças ultraconservadoras, que geraram Trump nos Estados Unidos e Bolsonaro no Brasil, além de outras experiências semelhantes mundo a fora. É o que se pode chamar de neofascismo, ou seja, Estado a serviço unicamente do mercado, extinção de toda e qualquer rede de assistência social e trabalhista, fundamentalismo religioso, falso moralismo e muita repressão contra os rebeldes e indesejáveis.
Para fazer frente a uma realidade tão adversa, a resistência democrática precisa, imperiosamente, incluir todos os setores da sociedade que tenham qualquer nível de identidade e compromisso com a civilidade, com o humanismo e com a democracia. Inclusive aqueles que ajudaram na ruptura institucional de 2016 e/ou apoiaram a eleição de Bolsonaro, ano passado, mas agora começam a despertar para o equívoco cometido. Aliás, as elites ditas liberais nativas têm um débito com o Estado democrático de direito. Chegou a hora de pagar, de acumular forças com os setores progressistas, a fim de neutralizar o neofascismo, superar o obscurantismo, resgatar a liberdade e a justiça. Antes que seja tarde demais.
Rogaciano Medeiros (Foto: Reprodução)
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