Fila de familiares para entrar no presídio da Mata Escura (Foto: Joá Souza | Ag. A TARDE)
A tragédia ocorrida em Manaus, onde 56 detentos foram mortos no maior presídio do Amazonas e outros quatro em outra unidade, pode ocorrer em qualquer estado do país. É o que afirmam especialistas ouvidos por A TARDE nesta terça, 3. As mortes foram no Complexo Penitenciário Anísio Jobim e na Unidade Prisional do Puraquequara, nos dois primeiros dias do ano.
“Essa é uma tragédia anunciada. Pode acontecer em qualquer estado pelo descaso dos governos, do Judiciário e da desigualdade social que existe no Brasil”, afirmou o presidente da Comissão Especial de Sistema Prisional e Segurança Pública da seccional baiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA), Marcos Melo.
O advogado contou que a comissão entregou, na semana passada, um relatório ao titular da Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (Seap) sobre inspeções feitas no ano passado em unidades prisionais da capital.
Dentre as conclusões apontadas no documento, estão carência de vagas e insuficiência de assistência médica e social para os detentos. No entanto, Melo disse que a solução não pode ser somente com a construção de novos presídios.
“Não me preocupa somente a questão de vagas. É preciso trabalhar a reinserção do preso, com trabalho, educação. Tem que profissionalizar o preso”, defendeu. Melo criticou, ainda, que no Brasil “se prende muito mal”.
“O sistema não funciona direito. Muitos inocentes presos. A prisão preventiva, que deveria ser uma excepcionalidade, virou frequente. Além disso, se abarrotam as cadeias de presos por crimes de pequeno potencial ofensivo. As nossas penitenciárias são verdadeiros depósitos de presos”, acrescentou o advogado.
Em Manaus, as mortes foram decorrentes de uma briga entre facções rivais seguida de rebelião. No presídio, havia 1.224 homens, o triplo da capacidade (454 vagas). Com relação ao número de vítimas, a matança é a maior ocorrida em presídios do país desde o massacre do Carandiru, em 1992, em São Paulo, quando 111 homens foram mortos.
Secretaria
Por meio de nota, a Seap informou que há 13.945 internos na Bahia. No entanto, a capacidade carcerária é de 10.319 vagas, o que gera um excedente de 3.176 detentos. A secretaria informou, ainda, que o risco de ocorrer casos semelhantes ao de Manaus existe, mas que são tomadas “as devidas precauções e medidas”.
Dentre as medidas adotadas, segundo a Seap, estão: a transferência de presos de delegacias para unidades prisionais, construção de novas unidades, atividades de educação e profissionalização dos presos, redução do índice de reincidência por meio de programas de ressocialização, entre outras ações.
Segundo a Seap, na Bahia “pequenos grupos se reúnem e se intitulam como facções”. Tais grupos são “pulverizados” e, por essa razão, não há choque de facções como ocorre em outros estados.
A secretaria informou, também, que o sistema penitenciário será ampliado em mais 2.269 vagas, com os novos presídios “já construídos e que estão sendo objeto de licitação para breve início de operação” – a Seap não detalhou quais são essas unidades.
O Estado nega a existência de um poder paralelo dentro das unidades prisionais. Mas há facções como Caveira, Katiara, Comando da Paz e Bonde do Maluco
Luiz Augusto Coutinho, advogado criminalista e pesquisador da área
Risco
Integrante do Conselho Penitenciário do Estado, o advogado criminalista Luiz Augusto Coutinho, pesquisador da área, afirmou que o risco de ocorrer na Bahia algo semelhante é alto: “Temos uma população carcerária com deficit grande de vagas e um sistema que apresentou falhas. É um barril prestes a explodir”.
Na Bahia, segundo Coutinho, facções rivais também disputam espaço. “O Estado nega a existência de um poder paralelo dentro das unidades prisionais. Mas há facções como Caveira, Katiara, Comando da Paz e Bonde do Maluco que atuam na Bahia”, enumerou.
Para ele, a ressocialização “não é viável”. O advogado defendeu que é necessário atuar antes dos indivíduos cometerem o crime. “O processo tem que ser anterior, com a socialização, políticas públicas de inclusão social. Não é possível ressocializar quem não foi socializado”, opinou.
Coutinho criticou, ainda, o uso da pena privativa de liberdade como solução para tudo. “Se condena excessivamente quando se poderia dar outro tipo de tratamento penal. Se prende antecipadamente e demora para julgar. E ainda tem uma cobrança muito grande da sociedade para que se prenda”, acrescentou.
O coordenador do grupo Tortura Nunca Mais, Joviniano Neto, ressaltou que na Bahia há um número grande de presos provisórios que aguardam julgamento. “Se prende rápido, mas a Justiça demora para julgar. Outras formas são pouco usadas, como penas alternativas e audiências de custódia”.
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