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O chaveiro foi acusado e condenado sem provas, apenas com base no relato de uma advogada e de suas filhas, vítimas de um assalto (Foto: Divulgação Imagem cedida ao BNews/ Arquivo Pessoal)O chaveiro foi acusado e condenado sem provas, apenas com base no relato de uma advogada e de suas filhas, vítimas de um assalto (Foto: Divulgação Imagem cedida ao BNews/ Arquivo Pessoal)

No último dia 22, o chaveiro Tony Dantas Pereira, de 45 anos, foi preso após ser acusado de um crime ocorrido há 12 anos, o qual ele alega não ter cometido. Soteropolitano, nascido no bairro de Valéria, ele aprendeu o ofício que seria seu ganha-pão ainda quando adolescente, com um primo, e montou sua loja no bairro Castelo Branco, onde atendia sua clientela há 27 anos. Desde então, Tony se sustenta e, há 20, também é responsável pela parte financeira da casa onde mora com sua esposa, Íris de Jesus Rocha, e seu filho, Túlio Pereira Rocha, de quatro anos, no bairro de Sussuarana.

O chaveiro era visto por seus vizinhos como uma pessoa idônea e clientes o tinham como alguém “íntegro e trabalhador”. Tony foi apontado por uma advogada como o responsável por um roubo em sua casa, localizada em Cajazeiras IV, na noite de 30 de abril de 2012. O caso tem se desenrolado na Justiça desde então, com pedidos de recursos feitos por parte do acusado, que já chegaram ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, mas a condenação se mantém.

O crime

De acordo com o depoimento das vítimas obtidos pelo BNews, um homem que usava um pano cobrindo o rosto entrou na casa delas por volta das 22h30 e ameaçou a mulher e suas filhas, usando uma faca e uma arma de fogo. O criminoso teria pedido mil reais sacado por uma das jovens mais cedo, mas ela alegou que o cartão apresentou problemas e não conseguiu pegar o dinheiro.

Com muitas ameaças e agressões, o ladrão pegou itens como televisão, joias, celular, notebook e outros pertences da casa e chegou a ir até a cozinha para se alimentar. Neste momento, a advogada ofereceu ir com ele até um caixa 24h para pegar o valor que ele queria e, assim, fazê-lo sair de sua casa.

Com todo o material roubado no carro da advogada, ela dirigiu a caminho de um posto de gasolina, nas imediações da BR-324, quando, provocou uma colisão. Assim, o homem preferiu fugir levando apenas alguns dos pertences da vítima. No dia seguinte, o crime foi registrado na 10ª Delegacia Territorial (10ª DT/Pau da Lima).

Ao denunciar o assalto, as vítimas indicaram Tony como o responsável, pois o teriam reconhecido pelos olhos e mãos. Acontece que, segundo elas, dias antes, uma das jovens teria sido roubada por homens que passavam de motocicleta na região. Eles levaram a bolsa, onde havia a chave da casa e, por isso, acionaram Tony para trocar a fechadura. Ao realizar o serviço, o chaveiro teria feito perguntas como: “Não tem homem na casa? Vocês moram sozinhas?” E afins.

O chaveiro alega que prestou os serviços à jovem, que também pediu para trocar a fechadura do quarto, mas nega as conversas. Essas explicações foram dadas no dia 1º de junho de 2012, quando ele foi convocado por investigadores da 10ª DT/Pau da Lima para prestar esclarecimentos após seu nome aparecer em uma investigação. Sem mais detalhes, os policias o conduziram do seu trabalho até a delegacia. Sua esposa, que estava na loja, presenciou tudo.

Investigação policial


“Os agentes chegaram por volta das 16h30. Era uma sexta-feira e eu estava, por acaso, no trabalho do meu marido. Eu perguntei para onde eles o levariam e segui para a delegacia. Lá, ele ficou de 17h até 21h em um interrogatório com gritos e xingamentos. Eu estava na recepção, mas conseguia ouvir. Os policias também me fizeram perguntas, chegaram a me xingar e tentaram me fazer ir embora, mas eu não arredei o pé e fiquei lá até Tony ser liberado”, conta a esposa Íris ao BNews.

Ainda de acordo com ela, o delegado Antônio Cardoso Junior pediu sigilo sobre o caso. "Meu marido contou que o delegado informou a ele que eu não havia saído de lá e que, por isso, ele seria liberado, para descansar e voltar na terça-feira, sozinho, onde as coisas seriam resolvidas. Mas o delegado também recomendou que ele não contasse isso para ninguém e o fez assinar um papel, dizendo que não faria diferença se tivesse algum advogado por lá, pois era algo de praxe", afirmou.

Entretanto, Tony não seguiu as ordens do delegado e, apesar de ter assinado o documento, mobilizou sua família, a da sua esposa e também um bacharel em direito e um advogado para irem com ele à delegacia. No dia marcado, ao chegar na unidade policial, os agentes demonstraram surpresa e raiva, segundo a esposa. “Eu ouvi um dizer: ‘Esse vagabundo ia descer hoje’”, contou Íris, ao relatar que o chaveiro sequer foi ouvido nesse dia, apenas os seus defensores foram atendidos.

Na ocasião, além de Tony, sua esposa e familiares, também compareceram à delegacia um casal de amigos, que eram as testemunhas do acusado, já que no dia e horário do crime, o chaveiro estava na casa deles. “Perto do imóvel que morávamos na época, ficava a casa de Maria Nilza e de Gildásio. Eles são como da minha família, por isso era normal irmos até a casa deles. Nesse dia a gente chegou lá por volta das 20h e ficamos conversando até 22h30, quando fomos para casa”, afirma Íris.

A dona de casa diz se lembrar exatamente de estar no vizinho no dia do crime. “Caramba, amanhã já faz um mês do aniversário de mainha”, disse, lembrando a celebração em 1º de abril. “Na época, Tony ia a pé e as vezes pegava topic para ir ao trabalho. Ele anda rápido, então gastava cerca de 40 minutos entre Sussuarana e Castelo Branco”, explicou a esposa.

Ciente de que seu marido, além de não ter saído de casa, não sabe dirigir carro ou moto, ela questiona como ele poderia ter chegado exatamente 22h30 na casa da vítima. “Eu falei com o advogado que nos atendeu na época para pedir as imagens das câmeras de segurança de onde a gente mora e também das imediações da casa da mulher, mas ele disse que sabia fazer o trabalho e que eu estava atrapalhando”, contou a dona de casa.

O BNews entrou em contato com a Polícia Civil (PC) para entender como as investigações, que duraram menos de três meses e levaram o delegado a indiciar o chaveiro, já que de acordo com os autos do processo o inquérito foi remetido ao Ministério Público (MP) sem nenhuma testemunha, tão pouco imagens, sequer foi solicitado perícia na casa ou no carro. “Sem provas, apenas com base no relato da advogada e de suas filhas, que dizem ter reconhecido Tony pelos olhos e mãos, em um momento em que normalmente as pessoas estão abaladas psicologicamente, eles pediram a prisão do meu marido”, lamenta Irís.

Procurada, a PC não respondeu os questionamentos até a publicação da matéria. Caso seja enviada a resposta, a matéria será publicada. Na época, o delegado titular da unidade era Carlos José Habib de Lima, que assinou o despacho do inquérito para o MP.
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A Denúncia

O MP, por sua vez, aceitou o indiciamento e fez uma denúncia à Justiça contra o chaveiro, também usando como base o relato das vítimas. Em duas páginas, dias após receber o inquérito, o promotor Airton Juarez Mascarenhas Junior pediu a condenação de Tony por roubo qualificado. A defesa afirma que nenhuma diligência, oitiva, perícia ou outras provas foram solicitadas.

“Ante o exposto, estando presentes a materialidade e indícios suficientes de autoria, outro posicionamento não pode adotar o Ministério Público, a não ser denunciar Tony Dantas Pereira pela prática de crime contra o patrimônio, incorrendo nas penas do artigo 157, § 2º. I e V do Código Penal Brasileiro”, solicita o promotor.

A Justiça

O caso foi direcionado para a 13ª Vara Crime de Comarca da Capital, ao qual o juiz Alfredo Santos Couto assumiu o processo e condenou o chaveiro a mais de nove anos de reclusão em regime fechado. Entretanto, em sua condenação, o relatório feito pelo magistrado apresenta divergências, conforme foi analisado pela reportagem.

O documento diz que ao fazer a proposta de buscar o dinheiro, o ladrão aceitou e “saíram de casa até o carro, levando a trouxa com os pertences e o dinheiro, enquanto as duas ficaram retidas no quarto. Ao se aproximar do Ford Ka, ele tirou o capuz, sendo observado pela advogada, como pessoa possuidora de muito cabelo e barba”. Entretanto, antes dessa afirmativa, no mesmo documento, consta que “o acusado obrigou as três mulheres a entrarem junto com os objetos roubados no veículo da genitora”.

Como a família entendeu que o primeiro advogado não teria defendido bem Tony, ele foi destituído e a Defensoria Pública chegou a assumir o caso por um tempo, em 2013. Nesse momento, a defensora Maria S. Calmon de Passos Barros chegou a pedir que testemunhas do acusado fossem ouvidas. “Requer seja dada nova oportunidade em outro momento processual para produção de tal meio de prova, em atenção à ampla defesa”, diz. Esse pedido nunca foi atendido, segundo a família do acusado.
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De volta ao MP


Em um dos recursos apresentados pela defesa do acusado, o Ministério Público voltou a se manifestar, dessa vez por meio do promotor Roque de Oliveira Brito. Este, afirmou que “o lastro probatório é cabal para demonstrar que o réu, mediante grave ameaça (...) subtraiu pertences das três ofendidas (...) Outrossim, o réu não faz jus a atenuante e nenhuma causa de diminuição [da pena]".

Nesse material também há divergências apontadas pela defesa. Uma das filhas diz que viu o ladrão com “a arma e a faca em punho”, com o grito dado por ela, a outra saiu do quarto e viu o criminoso em pé, ao lado da irmã, com “a arma na mão e a faca na cintura”. Ainda nesse documento, a advogada diz que o assaltante estava “o tempo todo ele estava com a faca em punho”. Ela também afirma que o viu apenas de perfil. Vale lembrar que a advogada foi a responsável por identificar Tony como sendo o assaltante.

O Ministério Público também foi procurado pelo BNews, mas não respondeu até a publicação dessa matéria.

Análise de especialistas

O BNews procurou dois advogados para entender como uma condenação pode ter ocorrido com base apenas no relato das vítimas, já que nenhum material proveniente do roubo foi encontrado, assim como não há testemunhas que o coloquem na cena do crime, tampouco foram localizadas as armas usadas pelo assaltante, além das outras possíveis provas.

De acordo com o criminalista Otto Lopes, é necessário ter mais provas para condenar uma pessoa. “No Brasil, vigora o princípio da presunção de inocência, devendo quem acusa provar aquilo que alega. Também o princípio do in dubio pro reo (na dúvida em benefício do réu) e daí o motivo que sem a comprovação gera a absolvição. Essa história tem vários motivos para a absolvição, se for como a esposa do condenado contou”, afirma.

O especialista explica que o ‘in dubio pro reo’ estabelece que, quando houver dúvida sobre a culpabilidade, o juiz deve decidir em favor do acusado, já que é preferível permitir que um culpado escape da punição, do que condenar um inocente. Como aponta a máxima jurídica: "Todo mundo é inocente, até que se prove o contrário”.

O advogado Artur Baptista compartilha da mesma visão que o colega. “O ônus probatório é da parte que acusa, que é o Ministério Público. Então o MP precisa se cercar de todas as narrativas possíveis, ele precisa demonstrar por A mais B que o investigado é, de fato, o autor do crime, isso é indício de autoria, ele precisa confirmar o indício de autoria. Acontece que o reconhecimento pessoal (o que foi utilizado em todo o processo) é fundamental para ensejar uma abertura de investigação criminal, ele pode se ensejar a denúncia, o oferecimento da denúncia, que é a abertura do processo, mas ele de forma nenhuma pode sozinho, de forma isolada, ser capaz de fundamentar uma decisão condenatória”, explica

Artur também detalha que a Justiça poderia ter intervindo e solicitado provas para condenação do acusado. “O juiz pode requerer provas de ofício. Então, de fato, vamos supor que chegou numa parte do processo que o advogado não requereu as provas importantes para a resolução desse crime. Seja rolamento de testemunha, seja prova pericial, seja câmeras de segurança, o juiz pode pedir de ofício para o deslinde da matéria. Na verdade, ele deve fazer isso. De todo modo, na dúvida, a solução é o encerramento da denúncia, não condenação por dois princípios muito lógicos: é o princípio do in dubio pro reo e o princípio de que cabe ao acusador o ônus da prova, que seria atribuição do Ministério Público”, detalhou Baptista.

Apoio e manifestação


Indignados com a situação, familiares e amigos de Tony realizarão uma manifestação onde o chaveiro trabalhava, na 1ª etapa de Castelo Branco, na manhã da próxima segunda-feira (04).

“Estamos pedindo socorro. Em pleno mês onde é celebrado a consciência negra, mais um preto, pobre e periférico é preso, acusado de um crime que ele não cometeu. A vítima da vez, infelizmente, é meu irmão. Já faz 12 anos de lutamos por Justiça, mas infelizmente ela não veio e ele foi preso semana passada, depois de praticamente passar fome com sua mulher e filho, pois todo o dinheiro que ganhava no seu foi para pagamento de advogados”, lamentou Raquel Dantas, irmã de Tony, responsável por mobilizar a imprensa para o ato. A ideia do grupo é chamar atenção do Ministério Público e da Justiça.

Comunicóloga, formada em jornalismo, com larga experiência em assessoria de comunicação em empresas privadas e no setor público. Com passagens por rádio e TV, atualmente integra, para além do BNews, a equipe da Rádio Câmara de Salvador, onde produz parte da programação e ainda é apresentadora.

 

O chaveiro foi acusado e condenado sem provas, apenas com base no relato de uma advogada e de suas filhas, vítimas de um assalto (Foto: Divulgação Imagem cedida ao BNews/ Arquivo Pessoal)O chaveiro foi acusado e condenado sem provas, apenas com base no relato de uma advogada e de suas filhas, vítimas de um assalto (Foto: Divulgação Imagem cedida ao BNews/ Arquivo Pessoal)

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