Para a Receita Federal, que apreendeu todos os vestidos, não há dúvidas de que não se tratava de uma noiva (muito) indecisa e com muito dinheiro para gastar. Para o órgão, a quantidade indicou que as roupas teriam destinação comercial, o que é proibido para bens trazidos como bagagem por pessoa física.
“Ela (a jovem) disse que era designer e que os vestidos eram para ela estudar. Ela contou uma história toda. Disse que era designer (de moda) e que os vestidos seriam desfeitos para ter os moldes. Mas a quantidade é um indício. Você trazer um vestido de noiva de viagem é plausível, mas 27...”, pondera o auditor da Receita Federal Iuri da Silva Silveira.
Os vestidos foram avaliados em R$ 48 mil e encaminhados para perdimento, quando não há mais possibilidade de reaver a mercadoria, mesmo com o pagamento dos tributos. Segundo o auditor, a moça sequer passou pelo local onde devem passar aqueles que têm bens a declarar, depois de pegar as bagagens no voo. “A Receita é mais protetora do mercado brasileiro do que propriamente arrecadadora. A legislação atualmente não permite que uma pessoa física traga mercadorias dessa forma. Se ela estivesse trazendo para ela, teria que declarar”, explica.
Pessoas físicas e jurídicas
No entanto, mesmo que ela tivesse feito isso, não seria possível ficar com os vestidos – pessoas físicas têm uma cota para trazer produtos comprados no exterior: há especificações quanto ao número de cada item, mas, no geral, as compras não podem ultrapassar o valor de US$ 500 (algo em torno de R$ 1,5 mil). O que nem todo mundo sabe é que mercadorias compradas em lojas tipo Duty Free (que vendem produtos com isenção ou redução de impostos) fora do Brasil também entram nessa cota. Por outro lado, outros US$ 500 podem ser comprados nas lojas Duty Free brasileiras.
De acordo com o auditor Iuri Silva Slveira, o que acontece é que, se o Brasil permitisse que um valor maior fosse trazido por pessoas físicas, causaria um sério problema às empresas nacionais. “Se você tem uma loja e está pagando seus tributos, que não são poucos, consegue vender um vestido de noiva por R$ 1 mil, uma pessoa vai na China e consegue colocar um vestido por R$ 500 para vender. O que acontece? Você vai fechar as portas, deixar de recolher tributo, deixar de gerar emprego... Tudo isso porque uma pessoa que está trazendo do exterior sem pagar vai concorrer com você de forma desigual”.
Apesar de ter sido um caso curioso, Iuri garante que não é tão raro quanto podem pensar. Depois de drogas, roupas são os itens mais apreendidos pela Receita Federal. Há quem traga até 500 calcinhas iguais... A diferença é que, no caso das drogas, a pessoa que estiver transportando vai ser presa pela Polícia Federal por tráfico. No caso dos vestidos, ela só perde as roupas mesmo.
Monitorada pela Receita
Só que a moça não foi escolhida aleatoriamente pela equipe de plantão no aeroporto – formada por uma auditora-fiscal e dois analistas-tributários. Antes mesmo da chegada do voo, o grupo fez uma espécie de serviço de inteligência. Primeiro, a ‘análise de risco’ dos sistemas do órgão marcou a bagagem dela para conferência, através do cruzamento de informações dos viajantes pela companhia aérea com o banco de dados do órgão federal.
“A gente viu que ela tinha viajado e teve outros problemas. Também vimos que ela tinha loja, essas coisas, e escolhemos ela. Coincidentemente, ela estava com essa quantidade de vestidos”. A jovem foi localizada pelo reconhecimento facial. O sistema indicou, por meio de uma comparação de fotos do banco de dados de passaportes da Polícia Federal, de quem se tratava, quando ela passou pelo corredor de quem não tem nada a declarar.
De acordo com o auditor fiscal Luiz Wilson, que trabalha no aeroporto, esse trabalho é feito diariamente nos aeroportos brasileiros, com todos os voos que chegam ao país. E acontece tanto de forma automática – pelo sistema do órgão – quanto pela equipe de plantão, que recebe a lista de passageiros em cada aeronave horas antes do pouso.
“Os servidores analisam passageiro por passageiro, tanto por conta da questão tributária quanto pela questão de ingresso ou saída de drogas do país”, explica. Como a moça já tinha uma ocorrência anterior com a Receita, logo as informações ficaram à disposição dos servidores daqui.
Da mesma forma, se ela voltar a desembarcar de um voo internacional em qualquer aeroporto brasileiro, qualquer auditor da Receita poderá ver que ela já teve 27 vestidos apreendidos no aeroporto de Salvador. Ter uma ocorrência anterior é um dos critérios para ser parado pelos auditores, mas não é o único. Segundo Wilson, há outros, mas são sigilosos.
“O interessante é sempre se apresentar à fiscalização e, se o produto não tiver destinação comercial, apresentar algo que comprove aquilo para que o fato seja analisado”. No caso da moça dos 27 vestidos de noiva, ela não deve ter as mercadorias de volta por dois motivos: primeiro pela própria destinação material; depois, porque ela não se apresentou espontaneamente.
Além disso, eles recomendam que quer for viajar para o exterior consulte o Guia do Viajante, disponível no site da Receita Federal. Lá, dá para conferir tudo que é possível trazer para o Brasil após uma viagem.
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