Segundo especialistas, modelo de contratação da varejista segue Constituição ao diminuir as desigualdades raciais e sociais. Juíza do Trabalho e deputado federal discordam.
Em uma rede social, a juíza do Trabalho Ana Luiza Fischer Teixeira criticou o programa. “Discriminação na contratação em razão da cor da pele: inadmissível”, escreveu, na manhã deste sábado (19). “Na minha Constituição, isso ainda é proibido”, acrescentou ela, que apagou a publicação à tarde.
O presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Nascimento de Camargo, disse que a decisão da empresa é “racismo” contra brancos.
O deputado Carlos Jordy (PSL-RJ), vice-líder do governo na Câmara, publicou nas redes sociais que está entrando com representação no Ministério Público contra a empresa para que seja apurado crime de racismo.
Em resposta ao deputado, o Magazine Luiza informou que a companhia está tranquila em relação à legalidade do programa.
Segundo a filófosa e escritora Djamila Ribeiro escreveu em artigo recente: "Não existe racismo de negros contra brancos ou, como gostam de chamar, o tão famigerado racismo reverso. Primeiro, é necessário se ater aos conceitos. Racismo é um sistema de opressão e, para haver racismo, deve haver relações de poder. Negros não possuem poder institucional para serem racistas. A população negra sofre um histórico de opressão e violência que a exclui."
Advogados consultados pelo G1 afirmam que programas de trainee exclusivos para negros não são ilegais. Pelo contrário, cumprem com o Estatuto da Igualdade Racial, presente na própria Constituição.
Segundo Daniel Teixeira, advogado especialista em direito público do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), a Constituição estabelece como norma a necessidade das empresas de combateram as desigualdades sociais.
"A Constituição Federal traz no artigo 170 os princípios que regem a ordem econômica e, entre eles, no inciso 7, está a redução das desigualdades sociais. Então, como se trata de um artigo que rege a ordem econômica, as empresas devem obedecer, elas precisam cumprir essa norma. Um princípio é uma norma e tem ainda mais importância quando está na Constituição Federal", disse.
Diretor do centro, Teixeira disse que o movimento negro “recebe com surpresa esse posicionamento público [da juíza do Trabalho Ana Luiza], considerando que a Justiça do Trabalho é criada justamente para a defesa de direitos do trabalhador que, perante a empresa, é, inclusive, uma parte a ser protegida”.
“A Justiça do Trabalho tem um olhar sobre as desigualdades sociais. Ela tem a característica de ser sensível às desigualdades sociais. Então, é óbvio que a gente fica surpreso", ponderou o advogado.
Teixeira ressalvou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já estabeleceu jurisprudência que confirma a constitucionalidade da medida anunciada pelo Magalu.
"O guardião supremo da Constituição, que é o STF, já se posicionou [sobre a constitucionalidade] no julgamento da ADPF 186 das ações afirmativas, conhecido como julgamento das costas raciais, quando, por unanimidade, julgou serem constitucionais as ações afirmativas [de cor ou raça] que têm o objetivo de diminuir as desigualdades raciais e sociais", completou.
Isonomia buscada desde a escravidão
Alessandra Benedito, professora da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), destacou que programas como os do Magazine Luiza têm como proposta promover a isonomia racial que os negros buscam desde o fim da escravidão.
"Dificuldades são impostas a nós o tempo todo, apesar dos 100 anos de escravidão. Fomos os primeiros a sair do mercado de trabalho com a crise e seremos os últimos a voltar pela forma como somos tratados. É responsabilidade de toda sociedade repensar isso", disse ele, que é integrante do Comitê de Inclusão Racial do Grupo Mulheres do Brasil
Para José Vicente, reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, zelar pela diversidade nas equipes é responsabilidade das empresas, uma vez que atualmente a escassez de negros na liderança pode gerar um problema concorrencial.
Em parceria com a ONG Afrobas, a universidade comanda o Movimento Ar, mobilização contra o racismo. Nesta segunda-feira (21), o grupo divulgou uma nota elogiando a ação do Magazine Luiza.
"Ninguém quer comprar produtos que agridem o meio ambiente, exploram crianças e discriminam pessoas. As pessoas precisam rever seus conceitos", avaliou ele.
"A fantástica e transformadora ação da Magalu ao criar um grupo de trainee contemplando especialmente jovens negros, capitaneada pela visionária Luiza Helena Trajano, é uma manifestação de coragem e compromisso com o alcance da igualdade racial", afirma o comunicado.
Na avaliação do reitor, a iniciativa do Magazine Luiza fará com que outras empresas promovam a diversidade, seja com programas de trainees exclusivos para negros ou por meio de cotas.
"O Magalu chutou no teto e as empresas devem seguir a tendência até achar um ponto de equilíbrio. A discussão tinha que entrar na mesa, afinal a Constituição diz que as empresas têm que cumprir com as fundamentos da igualdade", concluiu.
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