O acesso a apostas esportivas e jogos de azar têm rebuscado as suas metodologias de aproximação com os jogadores, apenas num toque de dedos, fácil assim. Desde a popularização das famosas bets, o Brasil tem avançado na publicação de portarias do governo federal para a regulamentação de uso, publicidade e funcionamento da prática no país.
Com avanços da aplicação de regras em plataformas de apostas de cotas fixas, a fim de separar ‘o joio do trigo’, e driblar os impactos negativos econômicos para o país, o alerta sobre os efeitos devastadores envolvendo esse transtorno mental também tem sido ainda mais fervoroso.
É unânime entre os especialistas em saúde mental que tem demonstrado ainda mais preocupação com o que consideram uma epidemia frenética de apostas esportivas: o vício nas bets é similar ao vício em substâncias químicas. Aquilo que aparentemente começa com uma tentativa, muitas vezes redireciona o apostador a um cenário de perdas financeiras, depressão, ansiedade, problemas com relacionamentos e até ao suicídio.
O que é apontado como frescura, está longe de ser realmente. A ludopatia, caracterizada pelo desejo incontrolável de continuar jogando, é uma doença classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e no Brasil tem CID: 10-Z72.6 (mania de jogo e apostas) e 10-F63.0 (jogo patológico).
“O vício em apostas esportivas entra no manual de diagnóstico de psiquiatria como um transtorno mental, assim como qualquer outro vício, seja por álcool, ou por café, por exemplo. O vício é um conjunto de fatores genéticos, ambientais e emocionais que acabam proporcionando uma dependência diante de um prazer que um determinado comportamento proporciona. As apostas online, por exemplo, proporcionam prazer, principalmente quando a pessoa está ganhando e vê um retorno através do risco”, explica a psicóloga sistêmica Ticiana Prata.
Impacto na saúde mental
Um levantamento feito pelo Instituto Locomotiva aponta que 86% das pessoas que apostam têm dívidas e que 64% estão negativadas na Serasa. Do universo de pessoas endividadas e inadimplentes no Brasil, 31% jogam nas bets.
A pesquisa traçou um perfil de 2.060 apostadores de bets, com 18 anos ou mais, de 142 cidades de todo o país. Do total, 51% acreditam que o jogo aumente a ansiedade; 27% acham que cause mudanças repentinas de humor; 26% dizem que pode gerar estresse e 23% acham que causa sentimento de culpa. Quanto aos entrevistados que fazem apostas online, seis de cada dez admitem que a prática afeta o estado emocional e causa sentimentos negativos como ansiedade (41%); estresse (17%) e culpa (9%).
O psicólogo Natan Reis, especialista no tratamento de dependência química, vícios em jogos e disfunções sexuais, explica que o vício em jogos de azar passa pelo chamado “sistema de recompensa” - centro das emoções do cérebro responsável por processar a sensação de prazer ou satisfação através da expectativa de receber algo em troca de uma ação.
“Toda vez que a gente passar por essa experiência, o cérebro vai liberando a dopamina, que é o neurotransmissor associado ao prazer. Quanto mais é liberada, mais o cérebro entende que aquilo precisa se repetir. Isso vai gerar cada vez mais a necessidade de repetição deste comportamento. Quando a gente pensa em jogos nós vamos ter esse aspecto da incerteza com o resultado, mas também dessa esperança pela vitória de conquistar nas apostas”, diz o especialista.
O neuropsicólogo conta que os sintomas do vício em apostas esportivas também são similares aos sintomas de uma dependência química. Em uma ordem não cronológica, o especialista diz que o apostador passa a sentir maior irritabilidade, por não conseguir controlar as ações em apostas, e isso, por conseguinte, afeta outras questões pessoais e de saúde.
“Em alguns momentos a pessoa começa a aprender a paciência com facilidade, passa a comprometer o relacionamento no dia a dia com uma pessoa, seja familiar ou alguma parceria amorosa. Entre os aspectos físicos estão a perda de tempo, fazendo investimentos nas apostas, investindo além do que poderia. Isso impacta no tempo de sono e de necessidades básicas iniciais. Isso desencadeia um adoecimento físico e mental”, continua Natan Reis.
Publicidade exacerbada
O papel da propaganda e publicidade de apostas online também são altamente preocupantes já que possuem espaço gigantesco em plataformas, sites, aplicativos, outdoor, peças, e mais do que isso, regulamentação para que sejam legalmente divulgadas. Portarias do governo federal têm tentado frear ações de plataformas de apostas e moderado a ampliação da publicidade desse tipo de aposta.
Na última terça-feira, 19, o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), através da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), decidiu suspender, em todo território nacional, a publicidade de jogos de apostas online destinada a crianças e adolescentes. Além disso, suspender todas as publicidades sobre bônus que os jogadores recebem antes mesmo da realização de apostas nas bets. Medidas como essas têm firmado uma maior segurança para jogadores nas plataformas.
“Vícios em álcool e outros tipos de drogas são mais antigos e que já foram muito explorados, principalmente a propaganda em massa. Reduziram bastante com as políticas públicas que foram surgindo, mas em relação ao vício dos jogos online a propaganda é muito grande, e olha que não é uma coisa nova. Existem muitas campanhas a favor e as pessoas não têm noção do real prejuízo que isso causa na vida, na rotina, nas relações pessoais e nas relações profissionais”, completa Ticiana Prata.
Como identificar o vício?
O Programa Ambulatorial do Jogo Patológico listou algumas características para indicar o risco de dependência em apostas, entre elas estão: Necessidade de jogar com quantidades crescentes de dinheiro, a fim de obter a excitação desejada; É agitado ou irritado quando tenta parar de jogar ou diminuir a frequência de jogo; Tem feito repetidos esforços infrutíferos para controlar a ânsia de jogar; Tem feito repetidos esforços infrutíferos para controlar a ânsia de jogar; Tem pensamentos persistentes de reviver experiências de jogo passadas ou, ao planejar a próxima aventura, pensa em maneiras de obter dinheiro para jogar e em pensamentos persistentes de reviver experiências de jogo passadas ou, ao planejar a próxima aventura, pensa em maneiras de obter dinheiro para jogar.
A pessoa que passar por ao menos quatro das nove situações, nos últimos 12 meses, deve buscar ajuda.
Como pedir ajuda?
Os especialistas explicam que a ajuda para lidar com esse tipo de vício também coincide com um processo terapêutico, tanto pessoal quanto familiar. Além de oferecer serviços individuais, o tratamento para este tipo de vício também pode ser encontrado de forma coletiva.
“A gente precisa falar da psicoeducação que orienta a pessoa e os familiares a respeito dos riscos, de iniciadores onde a pessoa começa um comportamento de um jogo mais patológico. É importante unir esforços de todas as áreas possíveis porque é uma questão de saúde da população de modo geral. Acho que todas as vias de acesso à informação seria importante", alerta o psicólogo Natan Reis.
Caso o indivíduo não tenha recursos para fazer um tratamento particular, o recomendado é procurar Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que oferecem atendimento gratuito e que pertencem ao Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, também existem grupos de mútua ajuda, como os Jogadores Anônimos e os Devedores Anônimos, que são programas específicos para ludopatas.
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