Os mais de 20 alvos da operação envolvendo uma trama golpista instalada no seio do governo Jair Bolsonaro podem divergir da melhor estratégia jurídica para lidar com a apuração – como ficar ou não em silêncio nos depoimentos –, mas um ponto ao menos é consensual: o que já veio à tona é só a ponta do iceberg de uma investigação que ainda deve produzir novas fases e até mesmo mais delações premiadas com potencial para complicar o ex-presidente e o seu entorno.
Nesta sexta-feira, o ex-comandante do Exército Marco Antônio Freire Gomes é o último dos ex-chefes das Forças Armadas a prestar depoimento à PF, depois que a operação Tempus Veritatis revelou uma série de evidências da participação de Bolsonaro, ex-ministros e oficiais das Forças Armadas em uma tentativa de golpe de Estado.
Até aqui, mais de 20 pessoas já prestaram depoimento à Polícia Federal. O temor de parar atrás das grades é tão grande que um dos investigados se preparou para o pior: chegou para prestar depoimento, na semana passada, com uma mala de mão preparada para o caso de ser dada uma ordem de prisão e ele ter que sair da PF direto para a cadeia.
“Ainda nem começou a investigação de fato, e muitos acham que vão ser detidos”, diz um dos advogados que acompanham de perto os desdobramentos do caso.
Entre os defensores de oficiais das Forças Armadas e ex-integrantes do governo Bolsonaro impera a certeza de que a operação deve ter uma segunda fase, com mais medidas de busca e apreensão, atingindo novos alvos, após a análise do material coletado na primeira etapa.
Por isso, apesar da tensão e das queixas de falta de acesso às provas, os investigados têm feito cálculos para não comprar brigas desnecessárias nem criar desgastes antecipados com o relator do caso, o todo poderoso ministro Alexandre de Moraes.
Moraes deixou um recado contundente na semana passada, quando Bolsonaro tentou adiar o depoimento, sob a alegação de que não havia obtido acesso à íntegra das provas reunidas no caso.
O ministro do STF negou o pedido duas vezes, destacando que a defesa do ex-presidente teve “acesso integral aos elementos de prova já documentados nos autos”, ressalvados o acesso às diligências em andamento e à delação explosiva de Mauro Cid, que fundamentou a operação.
Alvo preferencial dos ataques dos bolsonaristas, Moraes afirmou que o Supremo já firmou o entendimento de que a negativa de acesso a termos de colaboração premiada antes do recebimento de denúncia — ou seja, antes de o Ministério Público Federal apresentar formalmente uma acusação – não configura cerceamento de defesa, uma vez que o investigado “não detém direito a acessar informações associadas a diligências em curso ou em fase de deliberação”.
“Se o Alexandre de Moraes já negou tudo pro Bolsonaro, por que eu, que sou menor numa escala de importância, vou tentar a mesma estratégia? Esse momento não é de fazer embate nem ir pro confronto com o ministro”, calcula um advogado.
Investigados e seus advogados têm afirmado que não ter acesso ao inteiro teor da delação de Mauro Cid nem ao resultado da operação de busca e apreensão dificulta a construção de qualquer linha de defesa.
Um dos receios é o de tentar emplacar uma versão que venha a ser facilmente desmentida por um áudio, gravação ou mensagem revelada com as quebras de sigilo.
A garantia do acesso a trechos sigilosos de investigações é uma das medidas que vêm sendo discutidas por lideranças do Congresso no âmbito da PEC da Blindagem, que prevê uma série de ações em retaliação ao Supremo, como o fim do foro privilegiado.
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