Nos últimos anos, o crime de posse ou tráfico de drogas esteve no ranking de infrações mais frequentes na Justiça Militar, responsável por analisar ações que envolvem integrantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. No 11º Conselho de Justiça Militar (CJM), que cuida de delitos cometidos por militares do Distrito Federal, entre 2019 e 2023, houve, pelo menos, 20 julgamentos de posse ou tráfico de drogas dentro dos quartéis das Forças Armadas. Entre os episódios, há militares que engoliram cigarros de maconha e outros que alegaram desconhecer a proibição de carregar ilícitos durante o serviço.
Para praças e oficiais flagrados com entorpecentes, o Código Penal Militar estabelece pena de 1 a 5 anos de reclusão. No âmbito do 11º CJM, os que foram julgados no período citado ou receberam a pena mínima ou foram absolvidos.
Um dos casos é o de um ex-soldado da Aeronáutica. Segundo o processo, o militar portava uma porção de maconha na gandola, durante a saída para o almoço; a posse do entorpecente foi constatada por meio de revista pessoal.
Ao ser interrogado, ele afirmou não saber que o fato de ser militar seria um agravante para a situação, mas reforçou que não era usuário e que aquela era a segunda vez que usava maconha. Ele ainda disse que colocou a substância dentro do bolso da gandola, porque “achava que, se fosse revistado, seria mais difícil encontrá-la”.
No julgamento, o ex-soldado foi absolvido, já que o 11º Conselho de Justiça Militar (CJM) entendeu que ele não estava a serviço nem causou risco a ninguém. “A conduta narrada não é um ilícito penal, apesar de ser reprovável”.
Em 2020, um soldado do Exército foi levado ao 11º CJM por ter, supostamente, engolido um cigarro de maconha ao ser flagrado pelo sargento responsável do dia. O caso ocorreu no 3º Esquadrão de Cavalaria Motorizado, sediado em Brasília.
De acordo com os autos do processo, o soldado estava mostrando o cigarro para outros colegas de patente quando foi flagrado pelo sargento. Ao serem encaminhados ao capitão do esquadrão, os envolvidos confirmaram que o soldado havia engolido o cigarro e que tinha “algo” na cintura — o que, depois, foi identificado como sendo um “saquinho” de maconha.
O conselho o condenou a 1 ano de prisão em regime aberto, com o direito de recorrer em liberdade.
Dragões da Independência
Quando foi pego com maconha, um soldado estava servindo no 1º Regimento de Cavalaria de Guardas (1º RCG). O grupo reúne os militares conhecidos como “Dragões da Independência”, que exibem uma farda branca especial, com detalhes dourados, em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília, onde o presidente da República trabalha.
No início da manhã de 13 de dezembro de 2018, durante a revista de entrada no quartel do regimento, encontrou-se “uma embalagem suspeita de plástico preto” na mochila. Ao abrir o pacote, o sargento responsável pela averiguação constatou uma pequena porção esverdeada muito semelhante ao entorpecente popularmente conhecido como “maconha” e, portanto, procedeu à prisão em flagrante do soldado. O laudo pericial confirmou que se tratava de 1,3 g de maconha.
Ele passou por audiência de custódia e foi liberado quatro dias depois para responder o processo em liberdade. Pelos fatos, em dezembro de 2021, o Conselho Permanente de Justiça para o Exército condenou o militar a um ano de reclusão, a ser cumprida, inicialmente, em regime aberto.
A situação dele é parecida com a de outro praça, que também foi soldado no 1º RCG. Em julho de 2021, durante revista com cães farejadores, o militar foi surpreendido com aproximadamente 6,2g de substância entorpecente no bolso de sua calça.
O termo de apreensão indica que foram encontrados, no bolso direito da calça do acusado, uma porção de substância vegetal e um pacote de papel usado para enrolar cigarros (popularmente conhecido como “seda”). Entretanto, no laudo preliminar, foi analisado um cigarro já pronto, com seda e material vegetal, além de outra substância com fragmentos de folhas.
Em seu interrogatório, o acusado, mesmo ciente da proibição, confessou que levou consigo para o expediente uma porção de maconha e papéis de seda, mas negou a propriedade do cigarro mencionado na perícia preliminar. Como houve divergências que não foram resolvidas no processo, o que provoca incerteza sobre o que foi submetido à perícia, se era de fato a mesma substância encontrada com o acusado, o juiz absolveu o rapaz.
Cocaína
Também envolvendo um Dragão da Independência, há um caso sobre um praça que foi pego com 0,9 grama de cocaína durante uma revista dentro do quartel. O autor negou que a substância fosse sua, mas as testemunhas prestaram depoimentos que não corroboravam a versão do cabo, que fazia a ronda no local.
“Não se quer dizer que o cabo da guarda tenha agido de má-fé no intuito deliberado de imputar conduta ilícita ao réu, porém, dadas as corriqueiras ocorrências de ingresso indevido de substância entorpecente dentro de área sob administração militar, o graduado pode ter deduzido que o material ilícito encontrado no chão, próximo à vez de revista do soldado, pertencia a este (o acusado)”, argumentou o juiz.
Como não havia provas suficientes para garantir que a substância pertencia ao homem, o magistrado decidiu absolver o soldado: “O conjunto probatório produzido tanto na fase inquisitorial quanto na fase judicial não logrou êxito em apontar sequer que o acusado tenha concorrido para o crime, sendo o que basta para um decreto absolutório, por inexistir prova de ter o réu concorrido para o crime”.
Um caso famoso envolvendo cocaína foi o do ex-sargento da Aeronáutica Manoel Silva Rodrigues. O militar foi preso em 2019, na Espanha, transportando 37 quilos de cocaína dentro de um avião oficial que servia de apoio à aeronave presidencial.
Em 2022, ele foi condenado a 14 anos e 6 meses de reclusão por tráfico internacional de drogas. No mesmo ano, foi excluído definitivamente das fileiras da Aeronáutica.
Entenda o Código Penal Militar
O advogado Matheus Mayer, professor e presidente da comissão de direito militar da Ordem dos Advogados do Brasil no DF (OAB-DF), comenta que o Código Penal Militar (CPM) foi formulado por deputados federais em 1969, durante o período da ditadura militar.
O especialista explica as diferenças entre os códigos penais: no âmbito civil, a legislação rege a aplicação de punições relativas à liberdade. “Na Justiça Militar, é a hierarquia e a disciplina. O CPM regula e disciplina todos os delitos que podem ocorrer quando um militar está no exercício de suas funções, haja vista que a rotina e a vida do militar são bem diferentes da vida do civil”, afirma Mayer.
Por exemplo, o tráfico de drogas, normalmente, é penalizado com reclusão de 1 a 5 anos no CPM. Na Justiça comum, o crime sofre sanções mais pesadas: chega a 15 anos de prisão. De acordo com o advogado, a diferença ocorre por conta do tratamento diferenciado que se faz com relação a um militar, seja para melhor, em penas mais brandas, ou pior, quando acontecem punições mais severas para os membros da Forças Armadas.
Para o professor, não é possível afirmar que os militares recebem penas mais brandas quando comparamos com civis, porque existem casos em que a Justiça Militar é muito mais severa do que seria, hipoteticamente, a comum.
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